A obesidade é um dos maiores problemas de saúde pública que o mundo enfrenta, afetando 800 milhões de pessoas e é fator de risco para inúmeras doenças. A propósito desta doença, falámos com o médico Eduardo Lima da Costa, Diretor do Centro de Responsabilidade Integrado (CRI) de Obesidade do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ).
De que forma é que tratar a obesidade pode impactar positivamente o tratamento de doenças como a diabetes ou doenças articulares, hipertensão ou cancro?
A obesidade relaciona-se de forma comprovada com uma diminuição da qualidade de vida e, algo muitas vezes relegado para segundo plano mas ainda mais relevante, o decréscimo da esperança de vida.
A obesidade provoca distúrbios metabólicos, aumentando o risco cardiovascular de AVC ou Enfarte do miocárdio (HTA, Diabetes tipo 2, Dislipidemia, Apneia de sono, Fígado gordo), aumenta o risco de múltiplos cancros (cólon, mama, rim, próstata, endométrio, entre outros) e provoca sobrecarga músculo-esquelética (favorecendo artroses e dificuldades na mobilidade). Influi negativamente em múltiplos órgãos, levando ao aumento de certas doenças de pele, dores de cabeça, depressão, fertilidade comprometida ou incontinência urinária de esforço.
O tratamento da obesidade pode prevenir o agravamento dessas doenças?
Com o tratamento da obesidade, que preferimos realizar o mais precoce possível, poupamos o indivíduo a anos de agressão inflamatória e metabólica e desconforto psíquico, com incontestada vantagem na sua qualidade e no seu tempo de vida.
Do ponto de vista do médico, quais as principais dificuldades no tratamento da obesidade?
Perante um cenário de completa revolução no tratamento da obesidade, onde a abordagem multidisciplinar potencia resultados através de medidas dietéticas inovadoras, treino físico optimizado, recursos farmacológicos de última geração e cirurgias cada vez mais eficazes e confortáveis para os doentes, o maior obstáculo no tratamento da obesidade é o próprio estigma da doença.
A discriminação sobre os 0besos, responsabilizando-os de forma injusta pela sua condição, torna-os reféns da sua doença
Como é que se deve encarar a obesidade?
A obesidade deve ser encarada como uma doença com múltiplos fatores causais a abordar de forma descomplexada, à luz da ciência atual e por clínicos dedicados e experientes. A discriminação sobre os 0besos, responsabilizando-os de forma injusta pela sua condição, torna-os reféns da sua doença, obstaculizando a procura de formas de tratamento realmente eficazes e com resultados sustentados no tempo.
O que é a cirurgia bariátrica e quais são os seus benefícios?
Por cirurgia bariátrica, agora muitas vezes chamada de cirurgia metabólica, entende-se um conjunto de técnicas de transformação seletiva do tubo digestivo que motivam transformações hormonais e que interferem de forma complexa na ingestão e/ou absorção de alimentos. De uma forma muito eficaz, confortável, segura e sustentada no tempo, esta proporciona uma relação diferente do indivíduo com os alimentos, potenciando a sua normalização de peso e reequilíbrio metabólico.
A banda gástrica é uma coisa do passado?
Muito se evoluiu desde a velhinha e abandonada banda gástrica, cujo transitório sucesso dependia do esforço e motivação dos doentes.
Temos atualmente disponíveis técnicas cirúrgicas muito mais ambiciosas, adaptáveis e customizáveis às necessidades específicas do doente, capazes de resultados excelentes, de forma muito mais confortável e compatível com a vida social que todos ambicionamos e merecemos.
Como funciona a cirurgia bariátrica?
A cirurgia bariátrica, destinando-se a formas mais expressivas de obesidade ou a casos resistentes ao tratamento conservador (dietético, condicionalismo físico e farmacológico), atua em doentes metabolicamente mais desequilibrados e que, por isso, mais têm a beneficiar com ela. A prevenção ou remissão da diabetes tipo 2 e a diminuição de outros fatores de risco cardiovascular são exemplo do enorme impacto que esta cirurgia pode ter na nossa sociedade.
Sendo a obesidade uma doença crónica, multifatorial e complexa, com grande variabilidade de causas de doente para doente, a abordagem multidisciplinar é fundamental
Em 2019 esperava-se, em média, 16 meses por uma cirurgia de tratamento da obesidade. Quais foram as consequências da pandemia para este valor?
No que respeita ao CRI de Obesidade do CHUSJ, após um período de interregno da atividade cirúrgica no início da pandemia em 2020, a mesma foi retomada e acelerada de forma a cumprir os números inicialmente contratualizados. Tal foi conseguido, mantendo-se o aumento da capacidade de resposta cirúrgica no ano seguinte, cumprindo um plano de expansão previamente definido e acordado com a Administração. Em simultâneo, o número de referenciações por Obesidade provindos dos Centros de Saúde, fruto da pressão da atividade COVID-19, diminuiu e ajudou a alcançar o reequilíbrio da nossa capacidade de resposta. Verificamos, no entanto, e de forma expectável, um recente acréscimo de referenciações de doentes vindos dos Cuidados de Saúde Primários, que atingiu os 65% de aumento nos 2 primeiros meses do ano, relativamente a período homólogo de 2021.
Qual é atualmente o tempo de espera?
Atualmente, o tempo de espera médio para a primeira consulta de tratamento da Obesidade é de 2,5 meses, tendo sido efetuado um esforço adicional muito significativo de crescimento na capacidade de resposta do CRI-O (das 500 cirurgias/ano de 2019 prevemos um crescimento para as 740 cirurgias este ano e 820 para 2023). Perante o aumento previsível da pressão no tratamento destes doentes, estamos disponíveis para assumir as nossas responsabilidades e adaptarmo-nos de forma empenhada a esta nova realidade.
De que forma é que uma abordagem multidisciplinar do tratamento da obesidade, como aquela que implementam no CRI de Obesidade, faz a diferença?
Sendo a obesidade uma doença crónica, multifatorial e complexa, com grande variabilidade de causas de doente para doente, a abordagem multidisciplinar é fundamental na preparação para a cirurgia e, ainda mais, no acompanhamento pós-operatório. As competências acumuladas de Endocrinologistas, Cirurgiões, Nutricionistas, Gastroenterologistas, Psicólogos e Psiquiatras possibilitam a adequação de protocolos internacionalmente validados à especificidade que cada doente exige para um resultado adequado no imediato e, muito mais desafiador, a longo prazo.
Os Centros de Responsabilidade Integrados, com um tipo de organização de recursos humanos muito focada em objetivos concretos e conhecidos por todos, funcionam como elemento agregador e motivador de um conjunto necessariamente heterogéneo de profissionais: favorece o espírito de grupo e de missão.
Comentários