Segundo o médico José de Melo Medeiros, que assistiu João Gouveia e que foi ouvido hoje de manhã no julgamento cível a decorrer no Tribunal de Setúbal, o ex-`dux´ "não parecia confuso nem evidenciava sinais de dificuldades respiratórias", que serão frequentes em pessoas que estiveram em situações de pré-afogamento.
O médico disse que João Gouveia apenas se queixou de dores de cabeça.
A instâncias da advogada Paula Brum, que representa o ex-`dux´, o médico admitiu, no entanto, que João Gouveia, a quem deu alta às 06:31 do dia 15 de dezembro de 2013, poucas horas depois de ter dado entrada naquela unidade hospitalar, pudesse ter tido alguns desses sintomas quando foi assistido na praia do Meco pelos Bombeiros de Sesimbra e por uma equipa de emergência médica, mas acrescentou que não lhe foi comunicada qualquer situação desse género.
Para o advogado das famílias dos seis jovens que morreram na praia do Meco na madrugada de 15 de dezembro de 2013, o testemunho do médico, bem como de um elemento dos Bombeiros de Sesimbra e do então segundo comandante da Polícia Marítima de Setúbal, que também foram ouvidos hoje de manhã, permitiram evidenciar algumas “contradições” no relato de João Gouveia.
Estes depoimentos, na opinião de Vítor Parente Ribeiro, corroboram a tese dos pais [dos seis alunos da Lusófona que morreram na praia do Meco], que sempre disseram que João Gouveia “nunca terá estado naquele mar”.
“A descrição que é feita dos acontecimentos não bate certo com aquilo que ele [João Gouveia] disse. Hoje ficou mais uma vez claro que houve aqui pormenores que as testemunhas trouxeram ao conhecimento do tribunal que contradizem, claramente, aquilo que o mesmo [João Gouveia] referiu no tribunal, nomeadamente o facto, que ele terá dito, de que saiu do mar e rastejou até ao gorro”, disse.
“Hoje ficámos a saber que ele, ao senhor da Polícia Marítima, terá dito que, inclusive, saiu do mar e não se dirigiu logo ao gorro, mas terá até andado à procura dos colegas no areal”, acrescentou o advogado das famílias das vítimas.
Confrontado com o testemunho do médico, e com o facto de o clínico não ter excluído a possibilidade de João Gouveia ter evidenciado alguns sinais de pré-afogamento quando foi assistido na praia pelos bombeiros e por uma equipa de emergência médica, Vítor Parente Ribeiro lamentou nunca ter tido acesso a alguns elementos que poderiam ser essenciais para desvendar o que realmente se passou na madrugada de 15 de dezembro de 2013.
“Nós nunca tivemos acesso ao relatório do INEM. Mas mais, a própria gravação que é feita para o 112, curiosamente, não existe. É mais uma das situações que levam a que este processo seja assombrado por esta neblina”, disse.
“Tudo o que seriam elementos muito relevantes para a descoberta da verdade desapareceram e não percebemos como é que é possível, dado que todas as chamadas para o 112 são gravadas. Curiosamente, naquele dia, aparentemente, o gravador não estaria a funcionar”, acrescentou.
Em março de 2015, o Tribunal de Instrução Criminal de Setúbal decidiu não enviar o processo-crime para julgamento e o Tribunal da Relação de Évora, após recurso da defesa, manteve a decisão, sublinhando que as vítimas eram adultas e não haviam sido privadas da sua liberdade durante a alegada praxe, pelo que não havia responsabilidade criminal sobre João Gouveia.
Mas os pais das vítimas não desistiram e avançaram, em 2016, com seis ações cíveis contra o único sobrevivente e a COFAC – Cooperativa de Formação e Animação Cultural, CRL (Universidade Lusófona), em que reclamam uma indemnização de mais de um milhão de euros. São estas seis ações cíveis que estão a ser julgadas no Tribunal de Setúbal.
Também em 2016, o pai de Tiago Campos, uma das seis vítimas, apresentou uma queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), com a alegação de que Portugal tinha violado o artigo 2.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo que prevê o direito à vida.
Em janeiro do ano passado, o TEDH condenou o Estado português a pagar 13.000 euros de indemnização à família e apontou falhas à investigação.
O TEDH considerou que a investigação não satisfez os requisitos referentes à proteção do direito à vida, sobretudo porque uma série de medidas urgentes podiam ter sido tomadas logo após a tragédia do Meco.
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