“A saúde mental é um problema silencioso, mas de grande dimensão. E na nossa sociedade há pouco entendimento sobre como se lidar com estas questões”, disse em entrevista à Lusa Ângelo Menezes, especialista em saúde mental.
“O comportamento da sociedade ilustra alguns dos sintomas de trauma coletivo. Elevada taxa de violência contra a maioria das mulheres, uma grande tolerância à violência e muita violência entre os jovens, entre grupos de jovens”, exemplifica.
Ângelo Menezes, conhecido como Alau Deit, formado em psicologia e com um mestrado em psicologia clínica que completou nos Estados Unidos, é uma das principais vozes de advocacia sobre a saúde mental em Timor-Leste.
“Estudos mostram que em países pós-conflito, as taxas de problemas de saúde mental são mais elevadas. Stress pós-traumático, depressão e ansiedade, com níveis muito mais elevados do que noutros países. Em Timor-Leste não temos dados para demonstrar isso, e sem conseguir demonstrar isso, não conseguimos mais atenção para o problema”, disse.
“Pequenas situações, em Timor-Leste, levam ao aparecimento de violência. As pessoas sentem muita dificuldade em controlar raiva. Culturalmente não somos ensinados a fazer isso”, explica.
Uma situação condicionada, em parte, pelos efeitos de décadas de uma violenta ocupação pela Indonésia, entre 1975 e 1999, e por se manterem ainda vários problemas sociais por resolver, incluindo níveis elevados de pobreza.
No imediato, defende Menezes, é essencial reforçar os recursos humanos nacionais nesta área, promovendo bolsas de estudo para jovens nas áreas de psicologia e psiquiatria onde há muito poucos especialistas no país.
Paralelamente, e dada a elevada carência de dados e informação sobre o problema, defende um trabalho conjunto de especialistas internacionais e nacionais para “avaliar o estado das coisas e perceber exatamente o que é necessário fazer”.
“E depois a política, o quadro legal, uma lei de saúde mental que mandate instituições para cuidar e apoiar pessoas com saúde mental, que crie centros para a saúde mental, centros de reabilitação para apoio a pessoas com problemas de saúde mental”, explicou.
Uma política abrangente que inclua, por exemplo, uma linha de prevenção de suicídio, que Menezes considera registar taxas elevadas em Timor-Leste.
Ainda que tenha havido atenção pontual ao assunto, incluindo do Governo, o foco tem sido algo disperso, com o Ministério da Saúde, por exemplo, a incluir a saúde mental no espaço do departamento de doenças não-transmissíveis.
“Deveria ter algum tratamento especializado. Por estar incluído neste grande espaço de doenças não-transmissíveis, acaba por ter muito pouca atenção”, disse, vincando que é necessário “fazer mais”, ampliando serviços como os do centro psiquiátrico no Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV), na capital, Díli.
Nos últimos anos as autoridades timorenses têm dado alguma atenção adicional ao problema da saúde mental, contando com o apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS) nos esforços de sensibilização para a questão.
Além da unidade existente no HNGV, pacientes que necessitam de estadias mais prolongadas são transferidos para o Centro de Apoio à Saúde S. João de Deus, em Laclubar, a 100 quilómetros da capital.
“Continuamos a ter muito poucos recursos humanos especializados no país, tanto em termos de psiquiatras como psicólogos. A questão dos recursos humanos é afetada pela falta de conhecimento sobre esta área”, explicou.
“O Governo nem sequer promove bolsas de estudo para esta área, por exemplo. Muito pouca gente estuda psicologia. As pessoas reconhecem que há uma carência, mas não reconhecem a importância desta área para o país”, enfatizou.
Com poucos dados estatísticos concretos, até por causa do estigma associado, a informação disponível sobre o estado das coisas é escassa, apesar de Menezes apontar para indicadores de “taxas elevadas de suicídio”.
“Nenhuma instituição regista estes dados e acompanha a evolução do problema. Mas há dezenas de casos. As pessoas não sabem a ligação entre suicídio e questões de saúde mental”, refere.
Menezes nota que muitas pessoas associam o tema da saúde mental apenas aos casos mais extremos, de pessoas que pontualmente se vê nas ruas, explicando que em muitas famílias casos existentes são escondidos.
“Há casos aqui em que pessoas com problemas de saúde mental são fechadas, até em jaulas, pelas famílias. Temos muitos exemplos disto. Situações em que as pessoas estão demasiado envergonhadas em reconhecer que as pessoas precisam de ajuda e, por isso, não pedem ajuda”, disse.
“As questões culturais servem como desculpa, mas a questão fundamental é o estigma associado, o medo, a vergonha associada, a falta de conhecimento sobre estes temas. Há quem pense que pessoas com saúde mental são amaldiçoados pelos antepassados”, disse Menezes.
Para este especialista, é essencial consciencializar cada vez mais a sociedade, procurando responder melhor aos problemas que muitos, em Timor-Leste, sofrem “em silêncio”.
“A elevada taxa de violência contra mulheres e crianças e entre os jovens é, para mim, sintoma de questões de saúde mental. Quando pensamos sobre a prevenção de violência temos que atuar do lado comportamental. Não basta ter mais polícia ou militares, ou operações. O impacto dessas ações de policiamento é a curto prazo, mas para conseguir efeitos mais estruturais temos que pensar preventivamente”, disse.
“Não considero que conseguiremos resolver os grandes problemas sociais sem dar mais atenção a este assunto. Este assunto está escondido, mas é como um germe, com grande impacto na sociedade. Se não falarmos da raiva, dos impactos emocionais da guerra e da ocupação, isso tem impacto no comportamento de todos. E inclusive de pessoas que estão em posições de poder e influência, que tomam decisões”, reforçou Menezes.
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