Ainda que o declínio da memória possa ser um fenómeno natural do envelhecimento cerebral, no entanto, existem alguns sinais associados à perda de memória que requerem aconselhamento médico. Saiba quais são e quando deve procurar um especialista. para que este avalie se a perda de memória está associada a fatores modificáveis ou causas mais graves como a doença de Alzheimer ou outro tipo de demência. O diagnóstico precoce nestes casos é fundamental.

Quando se fala em “demência”, a que nos referimos especificamente?

A demência é um termo genérico que significa a perda de faculdades cognitivas (como a memória, por exemplo), condicionando a perda de autonomia do doente. Isto significa que a pessoa vai ficando menos capaz de executar tarefas que previamente realizava sem dificuldades. A demência é um diagnóstico clínico, habitualmente feito por médicos neurologistas.

Quando as pessoas não sabem onde colocam as chaves de casa ou onde estacionaram o carro no shopping, por exemplo, isso poderá ser o início de uma demência?

Isoladamente não. Sabemos que na maior parte das vezes tratam-se de pequenos défices de atenção por as pessoas estarem a pensar noutra coisa e a viver em “piloto automático”. Existe também, com o envelhecimento “normal”, alguma perda na rapidez de raciocínio e uma menor capacidade de resolver determinados problemas que é normal. Em consulta, na maior parte das vezes, consegue-se facilmente distinguir estas situações das outras mais preocupantes que podem tratar-se de estadios iniciais de demência.

Demência é sinónimo de doença de Alzheimer?

É uma pergunta muito frequente. A doença de Alzheimer é um tipo de demência, existindo outros. Estima-se que em Portugal existam cerca de 160.000 doentes com demência, a maioria correspondendo a doença de Alzheimer e demência vascular.

A tendência crescente deste tipo de doença é alarmante: de acordo com a Organização Mundial da Saúde, o número de casos diagnosticados de demência vão triplicar até 2050.

A demência será o resultado final e a doença de Alzheimer é o processo biológico que mais frequentemente leva à demência. Existem muitas outras formas de demência que não são devidas a doença de Alzheimer, cujo diagnóstico diferencial é muito importante pelo facto de algumas serem tratáveis e reversíveis (como sendo o caso de algumas infeções ou défices vitamínicos).

O diagnóstico é fácil de se fazer? Basta fazer uma TAC cerebral ou uma ressonância magnética?

Infelizmente não. Alerto várias vezes em consulta que o exame de imagem, ainda que indicado na maioria das vezes, não faz por si o diagnóstico. Poderá ajudar na integração da clínica, fornecendo indícios em relação à causa da demência, mas não deixa de ser um exame auxiliar de diagnóstico. Aliás, na maioria dos casos de doença de Alzheimer, sobretudo em estadios iniciais, poderemos ter exames de imagem normais ou quase normais, sendo que isso não invalida o diagnóstico. O mais importante é o doente ser observado, em conjunto com um bom informador (habitualmente o cônjuge, um outro familiar próximo ou o cuidador formal), por um neurologista com treino específico na área.

O diagnóstico precoce é importante?

Sim, e aconselho os doentes a procurarem ajuda caso sintam que as dificuldades cognitivas (de memória, dificuldades com o espaço, desorientação temporal, dificuldades no falar, entre outras) são mantidas no tempo e interferem com a qualidade de vida e autonomia do doente. A consulta de Neurologia é fundamental para se aferir se se trata efetivamente de uma doença degenerativa, ou de outra situação clínica que é semelhante à demência (também chamada de pseudodemência). Se existir uma perturbação depressiva subjacente que necessite de tratamento, um défice vitamínico que possa ser corrigido, de alguma doença sistémica que tenha tratamento específico poderemos ter a recuperação completa do doente. Ainda que isto não se venha a verificar, é importante sabermos que tipo de demência estamos a falar, nomeadamente se se trata de um défice cognitivo ligeiro, de uma demência, e que tipo de demência.

A pandemia afetou o diagnóstico ou tratamento dos doentes com demência e doença de Alzheimer?

Sim, definitivamente. A experiência do confinamento levou, por um lado, à descompensação de vários doentes por alterações da sua rotina. Convém lembrar que estamos a falar de doentes mais vulneráveis em momentos de crise. Sabemos que estes doentes beneficiam de um quotidiano calmo e previsível que foi perturbado pela pandemia. Também observamos algum receio das pessoas em recorrerem às consultas por medo de infeção pelo coronavírus. Neste momento, é importante lembrar que as instituições de saúde têm circuitos próprios e implementaram um conjunto alargado de medidas para mitigar a possibilidade de transmissão de infeção. Um doente que sinta que precisa de ajuda especializada não deve privar-se de consulta por questões relacionadas com a pandemia.

Quais as mensagens que considera mais importante transmitir aos doentes e familiares com demência?

Em primeiro lugar, que não adiem as consultas e exames que tenham agendados pela questão da pandemia. Toda a atividade clínica programada foi retomada, e existem vários procedimentos que garantem a segurança dos doentes. Em segundo lugar, que a demência é uma situação preocupante, cuja avaliação por um profissional treinado pode fazer uma enorme diferença na vida do doente. Em terceiro lugar, o diagnóstico precoce pode ainda ser mais importante numa altura  em que surjam tratamentos capazes de impedir a progressão dos doentes para doença de Alzheimer. Ainda que os medicamentos aprovados melhorem alguns aspetos cognitivos, como certas provas de memória, não têm ainda o potencial de “travar” a doença. Esperamos que no futuro isso seja possível. Mas para isso, será necessário um diagnóstico muito preciso e certeiro, e nesse aspeto os doentes deverão contar com neurologistas que tenham especial diferenciação em perturbações de memória e demência.

Um artigo do médico Rui Araújo, neurologista do Hospital CUF Porto - Consulta de Perturbações de Memória e Demência.