Elon Musk, 49 anos, fundador da Tesla e da empresa privada de serviços de transporte aeroespacial SpaceX, revelou ter síndrome de Asperger, durante o programa de sátira Saturday Night Live (SNL), no último sábado.

"Sou a primeira pessoa na história com Asperger a apresentar o SNL. Ou então a primeira pessoa a admiti-lo", ironizou. "Nem sempre dou muita entoação ou tenho variações na forma como falo, o que já me disseram que é uma ótima forma de comédia", acrescentou, valendo-lhe uma salva de palmas por parte do público.

Outro caso conhecido desta perturbação - e que também chamou a atenção mundial - foi o da jovem ativista climática sueca Greta Thunberg. Foi nomeada para o Prémio Nobel da Paz de 2020. O síndrome de Asperger é uma perturbação do espectro autista, marcada por dificuldades de interação social.

Que perturbação é esta?

Considerada uma perturbação neurodesenvolvimental, o Síndrome de Asperger (SA) é caracterizado por um comportamento tendencialmente solitário, associado a dificuldades significativas na interação social, menor flexibilidade de pensamento e dificuldades na comunicação não-verbal, além de padrões de comportamentos repetitivos e interesses restritos. A sua génese está associada a uma disfunção do “cérebro social” que inclui várias localizações e estruturas afetadas.

Apesar de poder ser considerada uma doença do espectro do autismo, diferencia-se deste em dois principais aspetos: tipicamente não há atraso de desenvolvimento da linguagem e as capacidades intelectuais mantêm-se na média ou acima.

Análise histórica mostra que Dr. Asperger foi afinal um membro ativo do regime nazi
Análise histórica mostra que Dr. Asperger foi afinal um membro ativo do regime nazi
Ver artigo

Enquanto condição contínua e presente ao longo da vida, levanta desafios importantes de funcionamento pessoal e ocupacional, não se constituindo apenas como uma experiência da infância, tendendo a persistir na idade adulta. Embora tenham crescido a experienciar o mundo de uma forma diferente dos seus pares, os sinais muitas vezes só aparecem no adulto, quando as exigências requerem competências sociais e emocionais mais sofisticadas ou nos casos em que os sintomas na infância foram moderados o suficiente, para permanecerem despercebidos pelos cuidadores e profissionais.

Para sabermos mais, falámos com Margarida Lavinha Costa, Psicóloga Clínica no Hospital CUF Tejo.

Como funciona o pensamento de alguém com esta síndrome?

As suas prioridades, a perceção do mundo e a forma de pensar são diferentes. Tipicamente, podem priorizar a busca de conhecimento, perfeição, verdade e compreensão do mundo físico, acima dos sentimentos e experiências interpessoais.

Estas características podem conduzir a talentos valiosos, mas também a fragilidades no mundo social e na autoestima. Perante situações sociais e relacionais, podem apresentar uma postura mais rígida, baseada nas regras, tendendo a ver o mundo a “preto e branco”, sendo-lhes difícil compreender as perspetivas e intenções dos outros, compensando a menor capacidade social com estratégias de raciocínio lógico.

Que desafios nos estudos superiores e carreira?

Quando confrontados com as decisões acerca da escolha da faculdade e carreira, os jovens adultos com SA muitas vezes mostram dificuldades em fazer a mudança para um estilo de vida mais independente, em verbalizar o pensamento, podendo existir dificuldades em interagir no contexto de trabalhos de grupo. Neste sentido, poderá ser sensato decidir sobre o número de disciplinas do curso para cada semestre, uma vez que poderão precisar de mais tempo para se ajustar a este novo estilo de vida.

Há vantagens em que permaneçam em casa, pelo menos no primeiro ano da universidade, uma vez que os motivos pelos quais podem desistir do curso estão mais relacionados com problemas de gestão de stress do que com falta de capacidade intelectual ou compromisso. Porém, alguns adaptam-se tão bem à vida académica que a investigação e a academia se tornam a sua carreira para toda a vida.

"Não sou louco, nem freak, nem estranho". Criança de oito anos explica o que é ter Asperger
"Não sou louco, nem freak, nem estranho". Criança de oito anos explica o que é ter Asperger
Ver artigo

Que constrangimentos e oportunidades no mundo do trabalho?

Não há nenhuma carreira que seja impossível para alguém com SA. Contudo, encontrar e manter um trabalho com uma carreira adequada parece não ser tão fácil como para as pessoas comuns com as mesmas qualificações. Não obstante a sua capacidade e vontade, enfrentam desvantagens significativas e alguma falta de compreensão e apoio nos seus contextos laborais. Não serão tão autoconfiantes durante uma entrevista de emprego, não lhes é naturalmente fácil ambientarem-se a novos procedimentos, responder de forma flexível a situações imprevistas ou comunicar eficazmente.

A tendência para o isolamento social, desconforto e até ansiedade social podem conduzir a situações de desemprego ou a trabalhos em que são subutilizadas as suas capacidades. Apresentam assim maior probabilidade para mudar de emprego mais frequentemente, limitando o seu potencial de crescimento e desenvolvimento de carreira, contribuindo para o aumento de stress, estados depressivos e instabilidade financeira.

Porém, os empregadores deverão saber que estas pessoas possuem qualidades preciosas e muito úteis em diversos contextos. Tipicamente são de confiança, persistentes, perfecionistas, capazes de identificar erros facilmente, atentos ao detalhe e com probabilidade de serem bem-sucedidos na rotina e com expetativas claras. Serão potencialmente bem-sucedidos em contextos que requerem pensamento visual, processamento de informação sistemática ou habilidades técnicas precisas. Contudo, é preciso cuidado para não estereotipar estes interesses e vocações, uma vez que existem pessoas com SA em todas as profissões.

O colaborador com SA valorizará um feedback regular que confirme o seu sucesso, as áreas a melhorar e como atingir essa melhoria, podendo também ser útil apoiá-lo na gestão do tempo e prioridades. Além do aumento do rendimento disponível, os benefícios de um emprego bem-sucedido são uma melhor auto estima, desenvolvimento de uma nova rede social e possibilidade de demonstrar talentos e capacidades.

Como são vividas as relações amorosas?

Sabemos que a interação social e as competências de comunicação, a par da capacidade para nos pormos no lugar do outro são fatores importantes para iniciar e manter relações amorosas. Neste sentido, as dificuldades já referidas poderiam fazer-nos adivinhar que as pessoas com SA não estabelecem relações amorosas. Contrariamente a essa expetativa, existem pessoas que iniciam relações de longo prazo, casam e têm filhos. Aliás tendem a possuir um conjunto de características que promovem o sucesso de uma relação romântica: confiabilidade, estabilidade e lealdade.

É possível integrar-se profissionalmente e ter síndrome de Asperger: duas histórias de sucesso
É possível integrar-se profissionalmente e ter síndrome de Asperger: duas histórias de sucesso
Ver artigo

A maior parte destas pessoas considera as relações amorosas desejáveis; pelo que algumas permanecem solteiras, não por falta de interesse, mas porque sentem dificuldades em iniciar e manter uma relação desta natureza. São relatados medos de não ser capaz de corresponder às expetativas de um parceiro, não saber como encontrá-lo ou não saber como uma relação funciona.

Podem ser conotados de arrogantes por não tomar as emoções dos outros em consideração, e por isso parecerem superiores ou demasiado críticos. Contudo, atribuir uma intenção assume uma motivação que, por vezes, pode não existir. Aceitá-los pelo que são, procurando não sentir as suas ações como ataques pessoais, abrirá espaço para apreciá-los pelas suas verdadeiras qualidades.

E para os pais, que desafios?

Fonte primária de suporte prático e emocional para estas pessoas, os pais encaram a prestação de cuidados aos filhos, como algo que faz parte das suas vidas diárias. Enquanto pais de crianças e jovens podem mostrar-se bastante resilientes adotando várias estratégias: desde o aconselhamento médico, à articulação com a escola; apoiando a estruturar as tarefas de forma rotineira e com pistas visuais tipo esquema; elogiando e valorizando o esforço na utilização correta das competências sociais e facilitando hábitos de autonomia. No entanto, à medida que estes jovens se tornam adultos, estes pais vão envelhecendo, apresentando maiores vulnerabilidades e podendo preocupá-los o futuro, quando já não conseguirem proporcionar esse apoio aos filhos. É assim fundamental contrariar o seu próprio isolamento, criar uma rede de suporte desde cedo, pedindo ajuda a técnicos, mas também aceitando o apoio da família e dos amigos.

Quando pedir ajuda? E que apoios disponíveis?

O ideal será um diagnóstico precoce e acompanhamento na infância (habitualmente realizado por especialistas nas áreas da pediatria, neurologia pediátrica ou pedopsiquiatria) para redução de problemas psicológicos secundários como a depressão e ansiedade. Isto porque na fase adulta são, normalmente, estas questões que os fazem pedir ajuda: um crescente isolamento social associado à frustração em estabelecer e manter relações de amizade e amorosas, sentimentos de rejeição, altos níveis de ansiedade e evitamento.

Embora não exista um tratamento único com resultados a longo prazo, a psicoterapia individual pode ajudar no autoconhecimento e aceitação, reduzir o nível de dúvida e autocrítica, apoiando numa melhor tomada de decisão (na escolha da carreira, emprego ou relações pessoais). Pode ainda ajudar na redução de stress, no treino da comunicação assertiva, permitindo à pessoa articular melhor a sua perspetiva e tornar-se mais consciente de como as suas palavras e ações afetam os pensamentos dos outros. Compreender fatos importantes da sua vida e lidar com um mundo que nem sempre entendem, são também benefícios deste apoio. Instituições como a APSA (Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger) promove o apoio e integração destas pessoas, disponibiliza um conjunto de iniciativas muito úteis ao nível da educação, mas também da empregabilidade, que vale a pena conhecer.

As explicações são de Margarida Lavinha Costa, Psicóloga Clínica no Hospital CUF Tejo.