A publicação de uma série de estudos polémicos pôs, há já alguns anos, o leite debaixo de fogo, o que acabou por afetar o número de vendas e, consequentemente, a quantidade de leite produzida. Segundo um relatório que reúne estatísticas agrícolas, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), "são relevantes as particularidades do mercado nacional, onde o consumo, em especial de leite líquido, tem registado uma diminuição significativa".
Numa reportagem transmitida pela RTP1 no início de 2018, foram revelados dados da Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios (ANIL), que mostram que a venda de leite decresceu de 471,6 milhões de litros em 2015 para valores na ordem dos 426,6 milhões de litros em 2017. Nos últimos anos, os portugueses passaram a consumir menos um milhão de litros de leite por mês face ao ano anterior, baixando esse consumo para 35,5 milhões.
Entre 2007 e 2017, a diminuição do consumo de leite foi de 17%. Em 2020, nas semanas que antecederam o confinamento, foi, a par das conservas, da fruta fresca, dos vegetais, da massa, do arroz, dos congelados, do café e do chá, um dos alimentos mais procurados mas a tendência de quebra mantém-se. Neste artigo, explicamos o que pode estar na origem da queda e damos-lhe o que parece ter ficado perdido na contrainformação, os benefícios desta bebida.
Mera campanha difamatória ou teoria(s) com um fundo de verdade?
Em relação aos efeitos do leite no nosso organismo já foram avançadas várias teorias. Há quem garanta que pode ser prejudicial para os ossos, que pode provocar doenças inflamatórias, que acelera o processo de envelhecimento do corpo, que pode desenvolver problemas cutâneos como a acne, que aumenta o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares e até que pode causar diversos tipos de cancro.
Organizações que defendem os direitos dos animais, como é o caso da PETA, são, à semelhança de plataformas online que defendem causas ambientais, como a One Green Planet, algumas das autoras dessa desinformação levada a cabo, publicando listas com os riscos que dizem estar associados ao consumo de leite, como é o caso de uma, muito conhecida, que aponta 11 razões para parar de beber leite de vaca.
Terá essa tese um fundo de verdade? A potencial ligação entre a ingestão excessiva de leite e o desenvolvimento de cancro é uma questão antiga, que foi levantada num estudo publicado, em 1990, na revista científica Nutrition and Cancer. Os resultados dessa investigação foram inconclusivos. Desde então, a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento, assegura que "não há evidência científica robusta no sentido de que o consumo de leite aumente o risco de desenvolvimento de carcinoma".
Por outro lado, Bodo Melnik, um investigador do Departamento de Dermatologia da Universidade de Osnabrück, na Alemanha, tem defendido publicamente que a acidez do leite está na origem de diversos problemas de saúde dos humanos. Bodo Melnik esteve no IV Congresso Europeu de Nutrição Funcional, que decorreu em outubro de 2017, em Lisboa.
Na altura, este especialista europeu defendeu que o consumo regular de três ou mais porções de leite gordo, por dia, está associado "a um risco aumentado de desenvolver acne e cancro da próstata", avisou. Será que é mesmo assim? Vamos confiar na ciência? Muito provavelmente, estaremos longe de encontrar um consenso no que ao leite diz respeito.
Dois elogiados estudos pró-leite contrariam essa tese. Num deles, "Milk and dairy products: Good or bad for human health? An assessment of the totality of scientific evidence", realizado por uma equipa de investigadores da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca, em 2016, pode ler-se que "a totalidade da evidência científica disponível suporta que o consumo de leite e laticínios contribui para que as recomendações nutricionais sejam alcançadas".
"Pode proteger contra as doenças crónicas mais prevalentes, ao passo que poucos efeitos adversos foram reportados", garantem os autores desse trabalho científico. Noutra investigação, desta vez belga, intitulada "Effects of dairy products consumption on health", divulgada em 2015, os cientistas concluíram que "os produtos laticínios não aumentam o risco de doenças cardiovasculares, particularmente se tiverem um baixo teor de gordura".
Há um leite que é melhor do que os outros?
Perante a divulgação destas informações contraditórias, é normal que os consumidores fiquem confusos. "Há muita contrainformação à volta do leite", reconhece Alexandra Bento. "Ele não é um alimento milagroso, de todo, mas também não tem que ser diabolizado e retirado da nossa alimentação", defende a bastonária da Ordem dos Nutricionistas. "É uma excelente fonte de proteína, considerada completa porque é de alto valor biológico", elogia.
"Tem os aminoácidos essenciais para o nosso organismo", sublinha. Para além de minerais como o cálcio, o magnésio, o zinco e o selénio, fornece vitaminas A, vitamina D e vitamina E, assim como vitaminas do complexo B, como a B12. "Não tem fibra nem ácido fólico nem ferro", alerta, contudo, Alexandra Bento, que aconselha o magro aos adultos, o meio-gordo a crianças e adolescentes e o gordo "apenas a indivíduos com uma atividade física muito intensa".
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