A pressão do quotidiano, os automatismos das escolhas, a valorização do consumo de alimentos processados, face àqueles mais próximos da natureza, pouco exercício físico e mau sono. Este é um cocktail perigoso, potenciador dos processos de envelhecimento. Em si, processos naturais e inevitáveis, embora podendo ser retardados através de escolhas certas. Sobre o tema, detém-se Mafalda Rodrigues de Almeida, nutricionista, autora do livro “Revitalizar” (edição Chá das Cinco).

Há que saber “identificar os pontos que nos fazem envelhecer, e tentarmos constantemente atingir um equilíbrio quanto a isso”, refere a nutricionista que nos recorda que todos “devíamos descascar mais e desempacotar menos”. Ou seja, afastar da dieta diária, alimentos calóricos, ricos em gordura saturada, sal ou açúcares refinados.

Mafalda de Almeida, mestre em Políticas Alimentares pela City University London, sublinha que não há fórmulas mágicas antienvelhecimento, mas sim ferramentas para evitarmos ou revertermos danos que possamos ter causado ao corpo ao longo dos anos.

Conversa com a autora do site Loveat onde cabem os porquês do envelhecimento precoce e temas como superalimentos e jejum intermitente.

Mafalda, muito sinteticamente, porque envelhecemos?

O stress com que vivemos, a rapidez de tudo à nossa volta, o automatismo das escolhas, o processamento dos alimentos, a falta de tempo, as preocupações, o excesso de peso, tudo isto nos faz acelerar o processo de envelhecimento. Pense no envelhecimento como um exercício de passadeira em que esta anda à velocidade que nós ditamos. Se andarmos mais rápido, ela acelera e faz-nos cansar muito mais depressa, tornando o caminho pouco prazeroso e sem qualidade. No entanto, se procurarmos andar a uma passada mais calma, a passadeira segue o nosso ritmo e conseguiremos desfrutar do exercício. A taxa de envelhecimento está intrinsecamente ligada aos nossos comportamentos diários, por isso, podemos dizer que temos um controlo quase absoluto sobre a forma como escolhemos envelhecer.

Como não entrar no comboio do envelhecimento a alta velocidade? A resposta da nutricionista Mafalda Rodrigues de Almeida
Como não entrar no comboio do envelhecimento a alta velocidade? A resposta da nutricionista Mafalda Rodrigues de Almeida créditos: Chá das Cinco/Rita Tojal Quintela

No fundo, o estilo de vida acelera o processo de envelhecimento.

Sim, a forma como vivemos influencia muito o processo de envelhecimento. Se tivermos uma má alimentação, não fizermos exercício físico, dormirmos mal, estivermos constantemente sob stress sem fazer nada para nos equilibrarmos, fumarmos, bebermos ou tivermos outros comportamentos que nos expõem a toxinas, envelheceremos bastante mais rápido.

Se soubermos identificar os pontos que nos fazem envelhecer, e tentarmos constantemente atingir um equilíbrio quanto a isso

No seu livro, a Mafalda fala-nos das “zonas azuis” do planeta. Aí, as populações batem recordes de longevidade. São zonas geograficamente afastadas pelo que algo as une na longevidade da população. Que fatores são estes?

Apesar de todas elas terem culturas e formas de se alimentarem diferentes, os pontos em comum são notórios. Em todas estas regiões a alimentação tem por base produtos vegetais frescos locais, o consumo de carne é muito reduzido e praticamente não se consomem produtos processados, sobretudo ricos em açúcar e em gorduras saturadas. Além disso, o consumo calórico é bastante moderado, servindo apenas para satisfazer as necessidades diárias.

Intestino, o menino mimado do nosso organismo precisa de ser disciplinado
Intestino, o menino mimado do nosso organismo precisa de ser disciplinado
Ver artigo

De forma geral, os habitantes destas regiões são fisicamente ativos no seu dia a dia, não propriamente por praticarem uma hora de exercício físico, mas porque o seu estilo de vida obriga a algum nível de atividade. A vida calma e com pouco stress impera em todas estas regiões. Acresce que os habitantes vivem em comunidade com bons circuitos sociais e sofrem de pouco ou nenhum isolamento.

Mafalda, temos efetivamente controlo sobre o nosso envelhecimento?

Absolutamente. Se soubermos identificar os pontos que nos fazem envelhecer, e tentarmos constantemente atingir um equilíbrio quanto a isso, conseguimos evitar entrar num comboio de envelhecimento a alta velocidade.

De que forma uma má alimentação acelera o envelhecimento?

Uma alimentação que nos exponha a toxinas e que cause inflamação ou stress oxidativo pode acelerar o envelhecimento. De forma geral, este tipo de alimentação é rica em alimentos ultraprocessados, com um valor nutricional pouco interessante, por vezes extremamente calóricos, ricos em gordura saturada, sal ou açúcares refinados, devem ser evitados. Refiro-me a refrigerantes, bebidas energéticas, sumos embalados, lácteos açucarados, bolos de pastelaria, carnes processadas, pizzas comerciais, bolachas empacotadas, cereais refinados e barrinhas de cereais, refeições prontas a consumir ou pré-cozinhadas, gelatinas, batatas fritas, doces como rebuçados, gomas, chupas, assim como produtos dietéticos, molhos comerciais, entre outros. É claro que todas estas categorias de produtos podem ter exemplares mais interessantes, no entanto, de forma geral podemos categorizá-los como alimentos a evitar no dia a dia.

A alimentação pode estar a matar-nos?

Pode claro, todos devíamos descascar mais e desempacotar menos, mas a tendência que observamos é exatamente a contrária.

Na capa do seu livro lemos: “funciona dos 9 aos 90 anos”. Chegamos sempre a tempo de reparar os males que provocamos ao nosso corpo?

Claro, o envelhecimento começa assim que nascemos e é inevitável. Este livro não nos dá formulas mágicas antienvelhecimento, mas sim ferramentas para revertermos alguns danos que possamos ter causado ao corpo ao longo dos anos, envelhecermos com maior qualidade e a uma velocidade mais baixa.

A Mafalda elenca uma lista larga de superalimentos. Não basta, contudo, vê-los como uma soma de vantagens, há que saber geri-los na dieta diária. Pode dar-nos alguns exemplos de uma gestão diária racional de alguns superalimentos?

Sim claro, posso dar o exemplo de uma pessoa que seja vegetariana e que tenha uma tendência genética para doenças cardiovasculares. Sabemos que esta pessoa precisará sobretudo de ferro e de reforçar nutrientes que tenham um papel protetor no que toca a saúde cardiovascular, como é o caso dos ácidos gordos ómega 3. Neste caso, seria importante reforçar vegetais de folha verde escura, sobretudo os superalimentos espinafres e agriões, e também spirulina que ajuda a aumentar a absorção e fixação de ferro. Além disso, aumentar-se-ia o consumo de superalimentos fontes de ácidos gordos ómega 3 como as nozes e as sementes de chia.

A ingestão de superalimentos deve ser personalizada e gerida consoante as necessidades. Para mim, no verão faz mais sentido reforçar protetores contra a oxidação provocada pelos raios UV, como é o caso dos frutos vermelhos e, no inverno, alimentos que tenham funções antibacterianas e anti-inflamatórias como a spirulina ou a curcuma.

A ingestão de superalimentos deve ser personalizada e gerida consoante as necessidades.

Todos os alimentos processados são nocivos?

Não. Existem alimentos que precisam de ser processados para serem nutricionalmente seguros, como é o caso do leite, que precisa de ser pasteurizado para remover as bactérias que podem ser prejudiciais à saúde. Para obter óleos e pastas de sementes e frutos secos também é preciso triturá-los, sendo este um processo essencial, mas que não altera a qualidade do produto.

Como não entrar no comboio do envelhecimento a alta velocidade? A resposta da nutricionista Mafalda Rodrigues de Almeida
Como não entrar no comboio do envelhecimento a alta velocidade? A resposta da nutricionista Mafalda Rodrigues de Almeida "Revitalizar", o novo livro da nutricionista Mafalda Rodrigues de Almeida. créditos: Chá das Cinco/Rita Tojal Quintela

Porque é a inflamação um dos fatores determinantes para o envelhecimento?

A inflamação é a causa da maioria das doenças crónicas e um dos fatores mais determinantes para o envelhecimento. É um processo disruptivo que bloqueia sinais químicos importantes para o desenvolvimento de células saudáveis. Além disso, o processo inflamatório emite os seus próprios sinais químicos que tendem a causar maior acumulação de gordura no corpo.  Sabe-se, hoje, que todas as doenças ditas físicas (que não contemplam o foro psicológico) começam com uma inflamação e que essa inflamação é controlada pelo nosso sistema imunitário. Se queremos envelhecer sem nos sentirmos velhos, constantemente em médicos ou dependentes de medicação, devemos cuidar do nosso corpo e procurar gerir todos os fatores de risco supracitados.

Mafalda, o que se entende por alimentos reais?

São alimentos que estão no seu estado puro como maçãs, laranjas, batatas, nozes, nabiças, abóboras, entre outros.

A Mafalda traz ao seu livro a questão do jejum intermitente. Considera que atualmente se aborda este tema de forma ligeira e algo leviana?

Acho que já se abordou de forma mais leviana. Hoje, o jejum começa a ser mais aceite pela comunidade médica, o que lhe dá credibilidade. É referenciado em inúmeros livros sobre antienvelhecimento, diabetes, doenças cardiovasculares, obesidade e até depressão. Mas quero ressalvar que fazer jejum intermitente pressupõe que durante o período de consumo alimentar as escolhas são equilibradas, ricas em fibras, boas fontes de gordura e de proteína e pobres em açúcar. Esse é um dos segredos para que este método funcione. Não vale a pena fazer jejum se comer fast food ou ingerir sempre as mesmas calorias durante o período de consumo, mas depois fazer jejum intermitente.

Inclui no seu novo livro um amplo leque de receitas. O que presidiu a esta escolha?

Estas receitas são todas feitas com ingredientes simples, maioritariamente frescos, sem leite e sem glúten.