Nas aspirações adolescentes de Ana Isabel Monteiro vaguearam o desejo de ser veterinária ou médica. Antes, nos ensejos de criança ficara, também, o “bichinho” que espicaçava a menina para as artes.  A Ana Isabel falou mais alto o caminho académico ligado às Ciências da Nutrição, a par de um percurso bem-sucedido como atleta de alta competição. Em 2015, a vontade de provar ao mundo que a alimentação saudável é generosa na diversidade, bela no prato e deliciosa para o palato, levou Ana Isabel a criar o blogue Laranja-Lima. Volvidos cinco anos, a nutricionista conta com mais de cem mil seguidores na blogoesfera e nas redes sociais.

De permeio, em 2020, Ana Isabel iniciou um novo projeto, a escrita do livro que, dois anos volvidos, entrega ao leitor. Vegetariano nas Quatro Estações (edição Marcador) é, para a autora, uma forma de nos reconciliarmos com a natureza, a nossa e a que nos rodeia. Obra que é um tributo ao vegetarianismo, sem radicalismos, pois também aberto a quem, sem deixar o consumo de produtos de origem animal, pode ocasionalmente introduzir refeições de base digital.

Sobre esse, entre outros temas, conversamos com Ana Isabel Monteiro. Entrevista que percorre os primórdios do vegetarianismo em Portugal, ainda no início do século XX, as razões para assumirmos este regime alimentar como um caminho nas nossas vidas e de como a consciência ética e ambiental é tema inerente ao debate sobre o presente e futuro da alimentação humana.

Nesta entrevista, tal como nas receitas que prepara regularmente (também para o seu livro) Ana Isabel Monteiro, não embarca em fórmulas estanques: “nem todas as receitas são aquilo que se esperaria de uma nutricionista. Mais como uma alimentação como ‘manda o papel’, quero, acima de tudo, que tenha uma relação saudável com a comida e que este seja um caminho prazeroso e divertido”.

Antes de se decidir a enveredar pelo curso de Ciências da Nutrição, a Ana Isabel ponderou outros caminhos académicos. O que a fez mudar de ideias?

Sim, quis ser veterinária ou fazer algo ligado às artes quando era mais pequena, mas rapidamente a nutrição se tornou uma opção, não só pelo meu percurso enquanto atleta [no voleibol], mas também pelas melhorias que notei na minha mãe quando ela consultou uma nutricionista e não falo apenas do aspeto físico. A medicina também esteve em cima da mesa, mas quis o destino que eu não entrasse. Hoje agradeço.

Ana Isabel Monteiro
Ana Isabel Monteiro créditos: Editora Manuscrito

Em 2015, cria o blogue Laranja-Lima, apostado na alimentação saudável. O sucesso apareceu quase de imediato.  O que trazia (traz) de diferente o seu blogue?

Não sei se foi sucesso imediato, ainda hoje não sei, mas agradeço. Acho que o que me pode diferenciar num universo de tantos blogues que falam de alimentação é ser nutricionista. Tenho essa credibilidade, que vem a par de uma grande responsabilidade, claro.

O curso superior fê-la mudar a forma como se alimentava na época?

Na verdade, não. Já tinha algum cuidado com a alimentação por ser atleta e isso não mudou ao longo do curso, talvez uns copos a mais nos primeiros anos de faculdade [risos]. O vegetarianismo apareceu mais tarde e foi essa a única grande mudança que tive na minha alimentação.

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 “Decisões importantes e grandes mudanças não se fazem por moda, nem pelos outros”. A frase é da Ana Isabel, a partir do seu livro, e respeita à decisão de se tornar vegana e o recuo que fez na época, 2015, dessa decisão. Porque recuou?

Precisamente porque na altura o fiz por moda e pelos outros. Não foi uma decisão consciente nem ponderada, daí que precisei de recuar um bocadinho, voltar a introduzir alguns alimentos de origem animal, permitir-me a “falhar”, e então sim, encontrei o meu caminho no vegetarianismo.

Excluir o consumo de animais da nossa alimentação é um sinal de civilização? Ainda associado a esta pergunta, qual o melhor argumento que a Ana Isabel encontra a favor de abandonarmos o consumo de carne?

É um sinal de consciência ética e ambiental, sobretudo. Aliás, é a parte ética que leva a maioria das pessoas a adotar uma alimentação de base vegetal, e essa é também a minha principal razão: para quê sacrificar outros seres quando nos podemos nutrir apenas através de plantas? Para quê estragar ainda mais o planeta quando podemos poupar imensos recursos com uma alimentação vegetariana? Ou mesmo que não seja a 100%, uma refeição vegetal já é ótimo e já ajuda.

É a parte ética que leva a maioria das pessoas a adotar uma alimentação de base vegetal, e essa é também a minha principal razão.

No seu livro fala-nos da Dieta Planetária. Do que se trata?

É uma dieta pensada por um grupo de especialistas, proposta pela Comissão EAT-Lancet, que pretende responder a uma única questão: como podemos garantir uma alimentação adequada para os dez mil milhões de pessoas que seremos em 2050, tendo em conta simultaneamente a saúde e o planeta? A resposta assenta numa dieta à base de plantas onde os produtos de origem animal não são excluídos, mas diminuídos consideravelmente.

Será interessante para o leitor perceber que o vegetarianismo não é um monólito, há diferentes regimes alimentares. A Ana Isabel quer explicá-los sucintamente?

Sim, temos basicamente cinco subtipos de vegetarianismo, sendo que todos eles excluem a carne e derivados, como o fiambre. Em comum têm ainda a inclusão de fruta e hortícolas, cereais integrais e todos os alimentos de origem vegetal. O que os distingue são os alimentos de origem animal incluídos. Num regime ovolactovegetariano temos ovos, laticínios e mel. No ovovegetariano, ovos e mel. No lactovegetariano, laticínios e mel. No vegetarianismo estrito não se inclui nenhum alimento de origem animal. E na alimentação macrobiótica pode entrar mal e peixe, nalguns casos.

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No seu livro percebemos que o movimento vegetariano nasceu no início do século XIX, em Portugal no início do século XX. Volvidos mais de cem anos parece que ainda o estamos a descobrir. Encontra razões na nossa cultura para o vegetarianismo dar passos tão lentos?

Somos um povo de tradição e que gosta de comer. Talvez esse prazer que os portugueses têm à mesa os deixe reticentes na hora da mudança. Mas na verdade, tendo em conta os pratos típicos portugueses onde as leguminosas entram tantas vezes, não seria tão difícil assim a adaptação.

Imaginemos uma pessoa que pratica uma alimentação com algum peso na carne e que decide enveredar pelo caminho do vegetarianismo. Em que ponto deve começar?

Sem dúvida que o primeiro passo é reduzir a carne, seja a quantidade no prato, seja os dias da semana. Imaginemos um prato redondo em que metade é composta por hortícolas, um quarto por cereais e o outro quarto por proteína animal (incluindo a carne). A pessoa pode começar por dividir o espaço da carne com feijão, por exemplo, ou algumas vezes por semana ocupar esse quarto por feijão, grão, ervilhas ou lentilhas, por exemplo. É uma forma de fazer a transição gradualmente. O mesmo com o peixe.

Ana Isabel Monteiro
Ana Isabel Monteiro créditos: Editora Manuscrito

Qual o melhor argumento que pode usar para encaminhar alguém para o vegetarianismo?

Temos tantos. Como disse, a minha principal razão é a ética, mas apelar ao coração nem sempre resulta. Por isso podemos apresentar factos: a alimentação vegetariana é mais sustentável a nível ambiental e pode proteger a nossa saúde contra inúmeras doenças, como a obesidade, doenças cardiovasculares e até alguns tipos de cancro.

A alimentação vegetariana pode efetivamente ser uma opção em qualquer faixa etária

Indicaria o regime vegetariano a pessoas de todas as idades, incluindo crianças de tenra idade?

Não sou eu que indico. As grandes entidades de saúde nisso estão de acordo: a alimentação vegetariana pode efetivamente ser uma opção em qualquer faixa etária e em qualquer fase da vida, a gravidez incluída, desde que seja devidamente planeada e acompanhada.

Que alimentos nunca podem faltar na despensa e frigorífico de um vegetariano?

As leguminosas como o feijão, grão, ervilhas, lentilhas, favas, entre outras; os cereais integrais, as frutas e hortícolas, os frutos gordos, como as nozes e avelãs, e sementes, principalmente chia e linhaça.

Endereça o seu livro às quatro estações do ano. Partindo das receitas que apresenta, quer dar-nos algumas sugestões de pratos para cada uma das estações?

Chili de feijão e batata-doce para a primavera, pizza com base de abóbora sem glúten para o verão, feijoada de cogumelos à pai Monteiro para o outono e migas de feijão-frade para o inverno.

Entrevista concedida por escrito em março de 2022.