Rastreios nacionais revelam que a alergia alimentar afectará 5% a 10% das crianças, com predomínio das alergias ao leite de vaca e ao ovo. São igualmente frequentes as alergias ao peixe, ao trigo, aos mariscos (crustáceos e moluscos), aos frutos secos e frescos, ao amendoim e a legumes, bem como a algumas sementes, sendo estes os principais alergénios a nível nacional. Saiba como lidar com este problema e não deixe o seu filho sem tratamento após um diagnóstico adequado.
Apesar de ouvirmos falar muitas vezes de alergias, rapidamente as associamos à respiração ou à pele. As alergias mais notórias ao comum dos mortais são as respiratórias ou as cutâneas. Referem-se também muito aquelas “alergias” que aparecem como “fruto do tempo”, o mesmo que acaba por constituir a desculpa mais viável para o aparecimento de dores ou de manifestações corporais fora da normalidade.
No entanto, existe uma área nova e fascinante que actualmente ocupa uma percentagem central da actividade clínica dos imunoalergologistas. “É muito importante realizar um diagnóstico correcto, o qual permitirá uma abordagem adequada e o alcançar de uma boa qualidade de vida, orientando, ultrapassando mitos e crenças”, defende o Prof. Mário Morais de Almeida, presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) e coordenador da Imunoalergologia do hospitalcuf descobertas.
Os factores genéticos e ambientais podem levar ao aparecimento de alergia alimentar, “sendo a dieta muito importante, particularmente durante a primeira infância”. Segundo Mário Morais de Almeida, “dar biberon com fórmulas lácteas nas primeiras horas de vida pode levar a manifestações de alergia a este alimento quando o mesmo é reintroduzido na alimentação do lactente, semanas ou meses mais tarde. Daí que, ainda na maternidade, sempre que possível, deve evitar-se alimentar os lactentes com fórmulas lácteas, promovendo o aleitamento materno precocemente”.
Sinais de alerta
Algumas das manifestações clínicas que surgem podem servir de alerta aos pais. “A apresentação clínica das alergias alimentares varia de formas ligeiras a formas muito graves, com múltiplas apresentações e desencadeantes, podendo existir manifestações imediatas ou retardadas”, explica o presidente da SPAIC. Existe frequentemente urticária em forma de manchas avermelhadas e com comichão, que pode surgir até duas horas após ingestão do alimento, ou eczema (pele seca, descamando, com muita comichão, que pode surgir até um dia ou mais após a ingestão alimentar). São também frequentes manifestações gastrointestinais (recusa alimentar, vómitos, diarreia, com ou sem sangue, má evolução da estatura e/ou do peso, dificuldade em deglutir, entre outros).
“Com menos frequência, o aparelho respiratório pode ser atingido (rinite e/ou dificuldade respiratória e tosse) e, em regra, quando tal acontece, é em associação com outras manifestações”, salienta Mário Morais de Almeida.
Algumas crianças têm reacções retardadas, tanto ao nível da pele como ao nível gastrointestinal, tornando difícil o diagnóstico. “Um diário alimentar pode ser muito informativo e permite diagnosticar ou excluir uma alergia alimentar.”
São surpreendentes as crenças relacionadas com as alergias alimentares, frequentemente não existindo qualquer evidência e relação clínica com a alimentação. Muitas vezes, são os próprios profissionais de saúde que “insuficientemente informados” podem suportar esses mesmos mitos. No entanto, e para Mário Morais de Almeida, “é muito importante diagnosticar as verdadeiras alergias, até porque, numa criança alérgica, a ingestão de um alimento proibido pode ocorrer, particularmente por engano ou por contaminação durante o processo industrial ou de confecção dos alimentos. É por isso muito importante ler a rotulagem e saber os constituintes dos alimentos processados, prevenindo acidentes e evitando desfechos graves”.
Produtos proibidos
No nosso país e na primeira infância predominam as alergias ao leite, ao ovo, ao trigo e ao peixe, tendo a maioria das situações resolução até à idade escolar. “Mais tarde, após a idade escolar, mais alimentos podem produzir alergias, as quais mais frequentemente irão persistir até à idade adulta”, diz-nos Mário Morais de Almeida.
Apesar de qualquer alimento ser capaz de originar uma reacção alérgica alimentar, um número limitado de alimentos é responsável pela sua maioria. “Os alergénios de origem animal que mais frequentemente desencadeiam alergias alimentares são as proteínas do leite de vaca, do ovo, do peixe, dos crustáceos e dos moluscos, sendo raros os sintomas associados a outros alimentos, como, por exemplo, as carnes. Os alergénios de origem vegetal mais frequentemente envolvidos pertencem ao grupo dos cereais, sementes e frutos secos, frutos frescos e legumes”, confere o imunoalergologista.
Ingestões acidentais podem estar na origem de reacções alimentares graves devido à “crescente utilização de alergénios, muitas vezes de forma oculta, em alimentos preparados, nomeadamente em estabelecimentos comerciais”.
Como diagnosticar?
Uma boa história clínica suportada e acessível através dos pais e, sempre que possível, com a criança permite chegar a um diagnóstico correcto. Posteriormente, são solicitados alguns exames que podem estar indicados de acordo “com o tipo de alergia que mais provavelmente está envolvida”. Por exemplo, o especialista pode realizar “testes cutâneos, com extractos comerciais ou com os próprios alimentos, algumas análises específicas e, por vezes, exames endoscópicos do aparelho digestivo, com a realização de biopsias, conseguindo-se assim esclarecer a maioria dos casos”, refere Mário Morais de Almeida. Com alguma frequência, acrescenta o coordenador da Imunoalergologia do hospitalcuf descobertas, podem ser executadas “provas de provocação alimentar em centros hospitalares especializados em doenças alérgicas, tal como acontece no nosso centro”. Podem ainda ser programadas reintroduções do alimento de modo a verificar se a tolerância alimentar foi alcançada.
Se a alergia da criança for muito grave e a ingestão de determinado alimento tiver ocorrido acidentalmente, “deve ser usada a caneta de adrenalina quando indicado e recorrer a um serviço de urgência. No caso de ainda não ser acompanhada, deverá ser referenciada de imediato para uma consulta de Imunoalergologia”, fundamenta Mário Morais de Almeida.
Consciencialização e apoio
De acordo com o grupo etário da criança, a mesma deve intervir na consulta o mais precocemente possível para “colocar perguntas e dúvidas, compreender a situação, ser informada, esclarecida e educada”. Os especialistas sentem que, nas primeiras décadas de vida, estas crianças, com alergias mais graves, são extremamente protegidas pelos seus familiares e pelos dos seus amigos, por exemplo, em festas sem este ou aquele alimente porque “o menino tem alergia e pode ter uma reacção grave”.
A educação é a chave do sucesso. “Os doentes devem estar conscientes das suas próprias alergias, nomeadamente quando são formas graves de doença.” Por outro lado, além dos pais e da equipa de saúde, os professores e os outros profissionais de educação devem estar perfeitamente informados sobre a situação clínica das crianças, pois costumam ser “muito colaborantes na preparação da alimentação e das respectivas evicções, quer na dieta do dia-a-dia, quer em épocas festivas”.
Quem deve frequentar consultas de alergia alimentar ou de Imunoalergologia?
1. Doentes com história de reacções de hipersensibilidade graves, nomeadamente anafilácticas, ou com expressão clínica generalizada, ou que, pela sua gravidade, geraram internamento.
2. Doentes com história suspeita de alergia a alimento(s) cuja confirmação clínica seja considerada relevante (ex.: alergia ao leite de vaca ou ao ovo em crianças nos primeiros anos de vida).
3. Doentes com história de alergia a vários alimentos em simultâneo que condicionam restrição alimentar significativa, com compromisso nutricional, nomeadamente em crianças em fase de desenvolvimento.
4. Doentes com suspeita de alergia alimentar e que manifestem interesse específico no estudo rigoroso da sua alergia.
Texto: Cláudia Pinto
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