
Flutua serenamente nas superfícies cálidas dos oceanos, com o corpo ondulante tingido de tons metálicos que parecem sair das artes manuais. O Glaucus atlanticus, mais conhecido como "dragão azul", é um nudibrânquio – um molusco marinho sem concha – que desafia tudo o que julgamos saber sobre a a vida marinha. Não mede mais do que três centímetros, mas carrega consigo um arsenal biológico capaz de causar sensação – e respeito – entre cientistas e banhistas.
Um predador elegante, mas letal
Não obstante o seu aspeto delicado, o dragão azul é um predador especializado. Alimenta-se de algumas das criaturas mais perigosas do oceano, incluindo a caravela-portuguesa (Physalia physalis), cujos tentáculos estão repletos de cnidócitos — células urticantes com toxinas potentes. O que surpreende é que o Glaucus atlanticus não só sobrevive ao veneno como o aproveita a seu favor.
Ao ingerir os tentáculos da caravela, este nudibrânquio armazena os cnidócitos intactos em bolsas especializadas no seu corpo, concentrando as toxinas ao ponto de as tornar ainda mais eficazes do que na medusa original. É um exemplo de cleptocnidia — um mecanismo de defesa que poucos organismos marinhos possuem, e que transforma o dragão azul numa armadilha viva.

Vela invertida e camuflagem dupla
A locomoção do dragão azul é outro feito de adaptação evolutiva. Ao contrário da maioria dos moluscos marinhos, o animal flutua à superfície de barriga para cima, usando uma bolsa de ar no estômago para se manter à tona. O seu lado dorsal, voltado para baixo, apresenta uma coloração prateada, confundindo-se com os reflexos solares para quem o observa do fundo. Já o lado ventral, azul vibrante, confunde predadores aéreos, como aves marinhas, ao camuflar-se com o azul profundo do mar.
Esta forma de coloração é denominada contra-sombreamento e é comum em várias espécies marinhas, mas poucas a usam de forma tão elaborada e eficaz como o dragão azul.

Avistamentos em Portugal?
Embora seja mais comum em águas tropicais e subtropicais — nomeadamente ao largo da África do Sul, Austrália e costa do Brasil —, o Glaucus atlanticus tem sido ocasionalmente avistado na costa portuguesa, sobretudo após tempestades ou correntes oceânicas fortes. Em 2020, por exemplo, um conjunto de espécimes foi identificado na Praia da Marinha, no Algarve, chamando a atenção de investigadores e autoridades locais devido ao risco de contacto.
A sua picada, embora rara, pode causar reações dolorosas em humanos, semelhantes às da caravela-portuguesa: ardor intenso, inchaço e, em casos mais graves, náuseas e dificuldades respiratórias. O contacto deve ser evitado e qualquer avistamento reportado às autoridades marítimas.
Além da sua aparência e estratégia de defesa incomuns, o dragão azul levanta questões cruciais sobre biodiversidade, adaptação e o papel de criaturas aparentemente insignificantes no ecossistema marinho. É também um exemplo poderoso de como a natureza pode ser mais fantástica do que qualquer criatura imaginada pela ficção.
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