Alexandre Machado, neuropsicólogo, também especialista em Operações Psicológicas Militares, privou no seu percurso pessoal e profissional com personalidades como o neurocientista António Damásio, o empresário Belmiro de Azevedo e o Papa João Paulo II, mas também com figuras anónimas que lhe ensinaram o caminho para a felicidade. Sobre a vida, a ciência e a felicidade, constrói Alexandre Machado a matéria-prima para o seu livro Psicólogo da Vida (edição Manuscrito).

Obra onde o autor nos aponta cinco pilares para a construção de uma vida feliz: o amor, a humanidade, a vida, a mente e, surpreendentemente, a morte. Sobre cada um destes pilares fala-nos em entrevista este apaixonado por investigação científica em áreas como a Neuropsicologia e Análise Comportamental. Face à pergunta, “o que é a felicidade?”, devemos encontrar outra formulação, “o que te faz feliz?”. Para Alexandre Machado a resposta passa por abandonarmos um modelo de vida que nos está a afastar do essencial e a tornar-nos “máquinas” de produzir e consumir.

“As pessoas vivem encurraladas numa teoria do medo, com medo de não serem aceites, com medo de serem despedidas, medo do que pensam de si e por aí fora”, acrescenta o nosso interlocutor nesta conversa onde baila a perspetiva individual  que nos faz únicos, mas também a global, enquanto humanidade: “a nossa compulsividade virou-nos contra nos próprios e contra o nosso planeta. temos de nos construir por dentro, tornar-nos mais solidários, mais cooperativos e menos competitivos”.

O livro que entrega aos escaparates faz-se de histórias como a do senhor Armando, o professor Manuel Benedito, a Joana, entre outros. O que une estas pessoas?

Para além de me terem como denominador comum, todas estas pessoas representam a vitória da existência sobre a sobrevivência, dos sentimentos sobre as emoções, da humanidade sobre a sociedade moderna. Todos eles apontam um caminho, o de querermos sobreviver enquanto espécie. A nossa compulsividade virou-nos contra nós e contra o nosso planeta que, previsivelmente, teremos que abandonar dentro de alguns milhares de anos. Antes de construirmos naves para fazer longas viagens, temos que nos construir por dentro, praticarmos a solidariedade, sermos mais cooperativos e menos competitivos. Estas histórias representam esse caminho e de como ele é a solução.

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Na capa do livro podemos ler a palavra “feliz”. Se perguntarmos a um grupo de pessoas o que entendem como felicidade, provavelmente obteremos tantas respostas quanto o número de visados. Encontra alguma definição unificadora do que é a felicidade?

É verdade e a razão é simples porque, normalmente, quando as pessoas fazem essa pergunta aguardam que o outro lhes diga o que devem fazer para serem felizes. É por isso que ninguém consegue explicar uma coisa tão simples, porque confunde a pergunta, “o que é a felicidade?” com a pergunta “o que te faz feliz?” A felicidade é um estado mental que nos provoca um estado, mais ou menos duradouro, de bem-estar, por vezes eufórico. No momento em que sentimos a felicidade, a nossa vida melhora, assim como a das pessoas em torno. É simples.

Depois de definirem isto, as pessoas não terão dificuldade em dizer o que as faz feliz, ou então de verem o quanto têm vivido infelizes.

Se em vez da felicidade eu perguntasse às pessoas o que entendem por medo, elas não iriam ter qualquer dificuldade em dizer como o medo as faz sentir mal e do que têm medo. Isto acontece porque hoje em dia as pessoas vivem encurraladas numa teoria do medo, com medo de não serem aceites, com medo de serem despedidas, medo do que pensam de si e por aí fora.

Por isto as pessoas vivem e morrem com medo, não arriscam ou desistem à primeira tentativa e vivem em silêncio uma vida inteira, fechadas em caixinhas de conformidade, presas a pequenos objetivos e pequenos prazeres. Devemos refletir a quem interessa este silêncio.

“Morremos literalmente mais depressa ou mais devagar quando não temos amor na nossa vida”.
“Morremos literalmente mais depressa ou mais devagar quando não temos amor na nossa vida”. créditos: Mohamed Nohassi/Unsplash

Os leitores provavelmente perguntarão porque se intitula um “Psicólogo da Vida”. Pode explicar-nos?

Porque é um psicólogo, no meu caso neuropsicólogo, a falar sobre a vida, a dos outros e, nalguns casos, da minha. Considero que apesar de todo o conhecimento clínico, científico e académico e do rigor de uma praxis apoiada nas teorias da ciência psicológica, o clínico não se deve apenas limitar por elas. Deve também estar atento às idiossincrasias da vida de cada pessoa, cujo impacto nela podemos apenas estimar; e da mente de cada pessoa, da qual sabemos ainda muito pouco. É isso que chamo a um Psicólogo da Vida.

No seu livro elenca os cinco pilares para uma vida feliz. Como chegou a este quinteto?

Para alcançarmos um estado de paz interior, de bem-estar e vivermos bem com o temperamento que a natureza nos deu, que o meio ambiente lapidou e não apenas sobrevivermos a colecionar frustrações, nós, humanos, precisamos de amar, ser amados e que a nossa vida tenha significância. Nesse sentido, o entendimento profundo e cristalino de dimensões como o Amor, a Humanidade e a Vida, são fundamentais.

Depois, falo sobre o entendimento deste ‘software’ novo, a Mente, que tem apenas alguns milhares de anos e que, por isso mesmo, ainda não aprendemos a usar bem. É ele que gere a nossa ‘máquina’ e foi inicialmente desenhado para sobreviver. Agora, está a evoluir maravilhosamente para a necessidade de existirmos, através do evento incrível do surgimento da nossa consciência. Por fim, falo da Morte, não por ser importante, mas exatamente por não ser e por lhe darmos demasiada importância. A morte indica-nos a finitude da vida e é isso exatamente que torna a vida especial, a nossa e a de quem morreu, eu chamo-lhe o dom da mortalidade. Apenas tem medo de morrer, quem teve medo de viver.

A morte indica-nos a finitude da vida e é isso exatamente que torna a vida especial, a nossa e a de quem morreu, eu chamo-lhe o dom da mortalidade.

“Nós não morremos quando deixamos de respirar, morremos quando deixamos de amar”. A expressão é retirada do seu livro. Não se trata apenas de uma frase bela, há um significado inerente. Quer explicá-lo?

Sim. Nós, humanos, morremos literalmente mais depressa ou mais devagar quando não temos amor na nossa vida. Entenda-se por amor, não só o relacional, mas o amor pela arte, por uma causa, pela humanidade, pelos animais, por exemplo. Esta frase surgiu-me a ver os pacientes mais idosos que se deixavam ir, quando as suas esposas ou maridos faleciam, ou aqueles que estavam em negação e se apercebiam que os familiares os tinham abandonado no lar ou no hospital. Já vi em outros cenários, pessoas que clinicamente deviam estar mortas, que respiraram durante os dias suficientes para esperarem a chegada de um filho. O amor é a nossa maior força, mas também a nossa maior fraqueza.

“Morremos literalmente mais depressa ou mais devagar quando não temos amor na nossa vida”.
“Morremos literalmente mais depressa ou mais devagar quando não temos amor na nossa vida”. créditos: Hybrid/Unsplash

Afirma que as gerações mais novas confundem paixão com amor. Desaprendemos a amar nos dias que correm?

Sim. Amar significa dar mais tempo, entender o outro, ouvir o outro, nutrir empatia para ver o que a outra pessoa é e não apenas o que não é. Estas gerações vivem de forma mais superficial, acelerada e sem paciência para nada. Esta correria limita, no sentido em que se ficam pelo físico, que gratifica imediatamente, sem experienciarem a profundidade de conhecer a ‘alma’ da outra pessoa. Por isso é que se magoam. Mais, por isso é que vivem mais apatia e anedonia, nada lhes dá prazer. Existem com um vazio existencial, que não conseguem explicar, de quem não tem bem um rumo definido, é a geração do “não sei”.  Apenas devemos entregar o corpo a quem nos amar a alma.

Já vi pessoas que clinicamente deviam estar mortas, que respiraram durante os dias suficientes para esperarem a chegada de um filho.

Diz-nos que o caminho para a humanidade implica um passo atrás. Estamos no caminho errado no que toca ao progresso individual e coletivo?

Sem dúvida que a forma competitiva, diria desde a Revolução Industrial, como educamos a nossa sociedade quer fazer das pessoas máquinas de produzir e consumir compulsivamente. A educação, baseada no sucesso material e na competição com o outro, desligou-nos de nós próprios e arranca-nos, aos poucos, a nossa humanidade. A vida nas cidades, com as pessoas afastadas da natureza, desconectou-as da sua essência. Evoluímos enquanto espécie, porque andávamos pela natureza ao ritmo dela, porque nos juntámos, para nos protegermos, para caçarmos, e vivermos para benefício da comunidade. Não produzíamos em excesso e o que sobrava trocávamos pelo que não tínhamos. Quando digo um passo atrás, que dizer, sermos mais humanos, mais ligados à natureza, menos obcecados pelo consumo e menos manipuláveis por um pequeno grupo que lucra com o nosso conformismo. Hoje em dia o contrário de coragem, não é cobardia, mas conformidade.

“Morremos literalmente mais depressa ou mais devagar quando não temos amor na nossa vida”
“Morremos literalmente mais depressa ou mais devagar quando não temos amor na nossa vida” créditos: Manuscrito

É lícito afirmarmos que fenómenos como as redes sociais estão a contribuir para a nossa desumanização?

Não. É a nossa forma atual de viver, conforme referi anteriormente, que nos está a desumanizar. Nos últimos séculos, temos sido manipulados e transformados em máquinas de consumir e produzir. O problema é que somos 'máquinas' de sentir, essa é a nossa neurobiologia e é também por isso que, hoje, temos patologias no topo dos problemas de saúde mental que tinham pouca relevância no passado. Esta forma compulsiva com que vivemos, faz com que tudo o que criámos e inventámos para o nosso bem, consigamos virar contra nós. Usamos a 'máquina' mais perfeita que existe contra nós, o nosso cérebro. Um bisturi nas mãos de um cirurgião salva vidas, nas mãos de um serial killer, tira vidas. O problema não é o bisturi.

No seu livro, quando aborda um dos pilares, a Vida, procura inspiração na figura do engenheiro Belmiro de Azevedo. O que presidiu à sua escolha?

O facto de o Engenheiro Belmiro ser, para muitos, a representação de um modelo ideal – material - de sucesso, ao contar a sua história no meu livro, quero que os leitores vejam que não era a fortuna deste homem que o tornava especial, nem o que ele valorizava na vida. Ele seria a mesma pessoa, com ou sem ela.

Um bisturi nas mãos de um cirurgião salva vidas, nas mãos de um serial killer, tira vidas. O problema não é o bisturi.

Aponta-nos caminhos para nos desenredarmos da mente. Por exemplo quando esta nos convoca para a preguiça ou para atividades pouco ou nada construtivas. Mas, como conseguimos esse distanciamento para avaliarmos e contrariarmos essa realidade que nos é tão intrínseca, a mente?

O que eu chamo a atenção é que as pessoas costumam referir-se, por exemplo, à preguiça, como se fosse um vírus que estava a flutuar no ar e que se apanha sem querer. E não é isso. O que eu chamo a atenção é que existe uma clara escolha e responsabilidade para a preguiça. A mente não pode ser controlada, tem que ser disciplinada através de assumirmos a nossa responsabilidade e não estar a culpar a conjuntura, ou seja o que for, pela nossa cobardia em cedermos à preguiça. Às vezes, ter coragem é tão simples quanto dizer “não” ou “amanhã vou tentar de novo”.

Finalmente, podemos entender o seu livro como um manifesto contra a conformidade?

Também, mas acima de tudo, e sem qualquer tipo de paternalismo ou pretensiosismo, gostaria que fosse um catalisador para a reflexão e para a esperança. Este não é um livro de autoajuda, mas de autorreflexão, não ensina os poderes de controlar a mente, ou controlar e influenciar a mente dos outros que, na minha opinião, apenas torna as pessoas mais preguiçosas mentalmente, porque estão obcecadas em explicar coisas complexas com fórmulas simples, afastando-as do verdadeiro objetivo, conhecerem-se. Recorro a histórias de pessoas imperfeitas, como eu, porque acho que a melhor forma de explicar as coisas, não é através de discurso, ou frases feitas, mas de histórias, tal como quando éramos crianças.