“Estamos à procura de um equilíbrio o mais estável possível para poder voltar à normalidade sem prejuízo para cada um de nós”, observa Hercília Guimarães, pediatra e professora catedrática, recusando contradições entre as críticas e avisos pré-pandemia sobre o contacto dos mais novos com meios digitais e todo o contacto que eles têm atualmente, seja para lazer seja para acesso às aulas à distância.
Para a especialista, o que está em causa é a “adaptação” da sociedade atual a uma pandemia, algo que terá uma “duração limitada” e vai passar, sendo necessário “não dramatizar” o contacto acrescido que as crianças estão a ter com ecrãs e novas tecnologias.
A psicóloga Sofia Moreira alerta que se vive “uma situação atípica cujas exigências fogem ao que seria ideal, quer em termos de aprendizagem escolar, quer ao nível do desenvolvimento das competências pessoais e sociais”.
“Desta forma, é importante procurar um equilíbrio no uso das tecnologias, independentemente de a finalidade ser o lazer ou efeitos académicos”, sustenta.
Hercília Guimarães avisa que “a utilização inadequada e excessiva" por parte de crianças de videojogos, computadores, telemóveis e ‘tablets’ não é aconselhável, “pelos riscos para a saúde bem conhecidos, nomeadamente a nível de visão e postura, entre outros”, e “isto não mudou”.
Acontece que a pandemia de covid-19 “veio alterar os hábitos do mundo e a normalidade no nosso dia a dia será outra, que todos teremos que compreender e aceitar”.
“Foi, e é preciso controlar a pandemia e poupar vidas, impedindo a sua propagação. Por outro lado, o mundo não pode parar e no ensino houve realmente mudanças extraordinárias que ocorreram em tempo útil para procurar minimizar os riscos nesta área fulcral no desenvolvimento do país, e que felizmente maioritariamente foi conseguido”, observou.
A psicóloga Sofia Moreira defende que os pais precisam de conseguir “tranquilizar e trabalhar com os filhos estratégias de resiliência e de lidar com a exigência” da pandemia, de modo a enfrentar o distanciamento social “de uma forma mais saudável”.
Sofia Moreira refere a importância de “perceber que o desgaste psicológico decorrente do confinamento e distanciamento social, quer nas crianças, quer nos jovens, é normal”.
Tal pode traduzir-se em “alguns quadros de ansiedade e maiores dificuldades na autorregulação do comportamento”, designadamente com “maiores níveis de irritabilidade, intolerância e agitação”.
O psicólogo clínico Jorge Ascensão sustenta que “o tempo para ecrãs, sem excessos, deverá ser distribuído mediante as prioridades, nomeadamente, aprendizagem via telescola ou plataformas de aulas ‘online’, contacto com familiares ou amigos distantes, distração via séries, filmes ou jogos que a família possa usufruir em conjunto, por exemplo”.
Também é “essencial acautelar-se contra a exposição das crianças contra as imagens ou noticias mais chocantes relacionadas com a pandemia”, refere.
Do mesmo modo, importa perceber que “uma das formas de a criança fugir a pensamentos maus será, por exemplo, jogar um videojogo, ou ver um vídeo divertido”.
O psicólogo sugere negociações entre “uma atividade de família em conjunto em troca de uma hora de videojogo”, ou outra atividade ambicionada pelos mais novos do agregado.
“Se formos essencialmente proibitivos é provável que arranjem modo de o fazer nas nossas costas, saindo durante a noite para estar com os amigos e namorados porque não os deixamos fazer videochamadas ou acordarem às duas da manhã para jogar enquanto dormimos, porque não os deixamos jogar ao final da tarde depois das aulas”, alerta.
Para diminuir o impacto da quarentena, Jorge Ascensão aponta a necessidade de “organização e estrutura, mas com tolerância e flexibilidade, aproveitando saudavelmente o que a tecnologia tem para nos oferecer”.
O psicólogo assinala que a “evidência científica identifica preocupações com a saúde” no uso dos meios tradicionais como a televisão, “bem como resultados negativos que se correlacionam com a duração e o conteúdo das visualizações”, sendo disso exemplo o desenvolvimento de obesidade.
Mas, para o especialista, “o mecanismo não é claro” e, “se é verdade que existe correlação entre a utilização ativa de ecrãs pelas crianças, competências sociais mais pobres, e diminuição da qualidade e quantidade da interação com pais e irmãos”, a verdade é que “correlação não implica necessariamente causalidade”.
“Poderíamos também inferir que as crianças procuram mais os ecrãs como escape ou complemento, quando a comunicação dos pais e irmãos é diminuta”, alerta.
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