Numa sociedade cada vez mais exigente, em que a pressão constante é promovida e estimulada, a expressão “isso é stress” vulgarizou-se. Com esta frase tende-se, talvez de forma involuntária, a desvalorizar a importância de uma resposta fisiológica que, se mantida e prolongada, tem consequências muito nefastas para o nosso equilíbrio e para a nossa saúde física e mental.
O stress é uma resposta adaptativa ancestral do organismo, sem a qual a nenhuma espécie poderia ter sobrevivido. É o que nos permite estar preparados para lutar ou fugir (fight or flight). Esta resposta começa no cérebro, numa zona particular chamada amígdala, central no processamento de emoções. Quando é detetado um “perigo”, instantaneamente é desencadeada uma resposta hormonal, finamente orquestrada e ultrarrápida, que nos permite responder a esse “stressor”.
A amígdala comunica com o hipotálamo que, através do sistema nervoso simpático, induz a libertação pelas glândulas suprarrenais de um conjunto de hormonas designadas de catecolaminas (onde se inclui por exemplo a adrenalina) que adaptam o organismo a esse contexto adverso aumentando a frequência cardíaca, a tensão arterial, a frequência respiratória, a tensão muscular, dilatando as vias áreas mais pequenas, ajustando a visão e audição e aumentando o limiar de dor.
Promovem ainda a libertação de glicose (“açúcar”) pelo fígado e de gorduras de alguns depósitos. Desta forma, a aumenta o fluxo de sangue, a oxigenação e a disponibilidade de nutrientes para órgãos vitais, ao mesmo tempo que, transitoriamente, vemos e ouvimos melhor e sentimos menos dor. Quando o “perigo” se mantém, o eixo hipotálamo – hipófise induz a libertação de cortisol que contribui para manter o nosso organismo em estado de alerta. O travão deste sistema é o sistema nervoso parassimpático.
Os efeitos do stress no organismo
Infelizmente, muitas pessoas não são capazes de “travar” vivendo numa situação de stress crónico, de menor intensidade, mas permanente. Ao contrário da resposta aguda, que é indispensável, a exposição crónica a este ambiente hormonal é muito deletéria, promovendo o desenvolvimento de hipertensão arterial, o aumento da gordura visceral, o stress oxidativo, a inflamação e o depósito de colesterol na parede dos vasos contribuindo assim para o desenvolvimento de doença cardio e cerebrovascular, as principais causas de morte entre nós.
Um estudo realizado na população sueca entre 1987 e 2013 e publicado no British Medical Journal em 2019 (BMJ 2019;365:l1255) demostrou que no primeiro ano após o diagnóstico de doenças relacionadas com o stress, o risco de doenças cardiovasculares aumenta 64%. Posteriormente o acréscimo de risco atenua-se, mas é ainda assim de 29% para qualquer doença cardiovascular.
Alguns trabalhos tendem a implicar a frequência cardíaca (FC) como um dos mediadores dos danos vasculares associados ao stress crónico. Não sendo considerado um fator de risco cardiovascular, estudos em diferentes populações demonstram risco acrescido de eventos na presença de frequências cardíacas mais elevadas.
Se olharmos para a natureza verificamos uma analogia interessante e que parece sustentar esta hipótese: espécies com FC elevadas tendem a viver muito pouco tempo. Ao invés, alguns animais de grande porte que vivem com FC extremamente baixa têm grande longevidade.
Não está, contudo, demonstrado que a simples redução da frequência cardíaca por via farmacológica tenha só por si um efeito protetor pelo que, se pretendemos reduzir o nosso risco cardiovascular, aumentando a probabilidade de vivermos uma vida mais longa e mais saudável, devemos abraçar uma estratégia mais holística onde a redução do stress tem um papel relevante.
Um artigo do médico Gonçalo Proença, cardiologista nos hospitais Lusíadas Saúde.
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