Quando amamos alguém, somos inundados por sensações positivas de afeto pelo outro, relacionadas com o som da sua voz, o cheiro, o toque. Estas sensações são acompanhadas por recompensas sociais e afetivas fortes que nos levam a procurar mais experiências com quem amamos e que nos levam, por vezes, a fazer sacrifício em prol destes.

De forma semelhante, pessoas dependentes de substâncias experienciam sentimentos intensos de recompensa e euforia que levam ao reforço dos seus comportamentos de consumo. Este reforço leva-os a procurar mais experiências de abuso e a sacrificar-se no sentido de obter a gratificação que esse consumo traz.

As semelhanças entre estes dois cenários levam-nos a colocar a seguinte questão: será que os mecanismos responsáveis pela formação de laços interpessoais são os mesmos que os responsáveis pelo desenvolvimento da dependência de substâncias estupefacientes?

Os estudos indicam que sim e a investigação existente na área da vinculação sugere uma relação entre determinados estilos de vinculação e a presença de perturbações de consumo. No sentido de compreender esta relação, será útil entender o que é, efetivamente, a vinculação e de que modo esta poderá levar à adoção de comportamentos de risco mais tarde na vida.

A vinculação pode ser entendida como a relação que estabelecemos na infância com os nossos pais ou cuidadores principais e que é baseada na necessidade de segurança e proteção. Em linhas gerais, podemos definir três estilos principais de vinculação na infância:

  1. Vinculação Segura: emerge de uma relação de disponibilidade e prontidão de resposta aos sinais e necessidades da criança. Uma criança segura é capaz de usar o cuidador como porto seguro, permitindo-lhe explorar o ambiente em seu redor e sentir-se apaziguada em momentos de maior ansiedade.
  2. Vinculação Insegura: emerge de uma parentalidade pouco sintonizada. As crianças têm dificuldades em ver os cuidadores como fonte de segurança, porque estes são intrusivos ou emocionalmente indisponíveis. Neste tipo de vinculação, temos dois estilos distintos: inseguro-evitante ou inseguro-ambivalente.
  3. Vinculação Desorganizada: emerge em consequência de experiências traumáticas, como a negligência ou o abuso físico ou sexual. As crianças exibem padrões de comportamento imprevisíveis na interação com o outro.

As representações que temos da vinculação na infância vão servir de base para a formação de relações na vida adulta e, neste sentido, podemos considerar a existência de quatro tipos de funcionamento:

  1. Pessoas seguras: sentem-se confortáveis com a proximidade e são capazes de confiar nos outros, não sentindo um particular receio de serem abandonados.
  2. Pessoas desligadas (que tiveram um padrão de vinculação inseguro-evitante na infância): minimizam a importância de relações interpessoais e sentem desconforto na proximidade e dependência do outro, preferindo o distanciamento social e a independência. Utilizam estratégias de desativação afetiva para lidar com a sua insegurança e mal-estar.
  3. Pessoas preocupadas (que tiveram um padrão inseguro-ambivalente): sentem um desejo forte de proximidade e proteção, mas também de preocupação acerca da disponibilidade do outro e do seu próprio valor na relação. Utilizam estratégias de hiperativação afetiva para lidar com a sua insegurança e mal-estar.
  4. Pessoas com vinculações amedrontadas-evitantes (que tiveram um padrão de vinculação desorganizada na infância): representam o extremo da insegurança na vinculação adulta e são os menos seguros e os mais instáveis. Utilizam um misto de estratégias de vinculação de desativação e de hiperativação para lidar com a sua insegurança. Assim, usam o distanciamento nas relações amorosas para evitar as possíveis consequências negativas de depender do outro, mas continuam a experienciar ansiedade, ambivalência e o desejo de ter afeto.

As teorias da vinculação sugerem que o uso de substâncias estupefacientes procura compensar a inexistência de estratégias de vinculação adequadas. Neste sentido, diferentes substâncias desempenham papéis distintos na satisfação das necessidades vinculativas dos que as consomem.

Substâncias estimulantes (como cocaína, anfetaminas, ecstasy) ativam os processos fisiológicos, afetivos e cognitivos, sendo os preferidos por sujeitos com um perfil de vinculação preocupada. Substâncias sedativas (como álcool, opioides, canábis, benzodiazepinas) levam à desativação fisiológica e emocional, à inibição dos processos cognitivos e ao distanciamento na interação. Estes efeitos são mais desejáveis para sujeitos com perfis de vinculação desligada e amedrontada-evitante. O consumo de sedativos leva à experiência de bem-estar, sentimentos de liberdade e calma, bem como o alívio de medos e tristezas. Este estado emocional é muito aproximado ao que uma criança sente quando se encontra segura e confortável junto do seu cuidador. As substâncias, embora nocivas, parecem atrativas aos seus consumidores por compensarem temporariamente as necessidades vinculativas e, assim, anestesiar o sofrimento emocional.

Uma intervenção psicológica mais focada no estilo de vinculação e modelos relacionais da infância poderá ser útil para garantir o tratamento eficaz de perturbações de consumo, atuando sobre a sua origem e ajudando na prevenção de comportamentos de abuso futuros.

Em Portugal, o consumo de substâncias, sobretudo de analgésicos opióides, tem aumentado exponencialmente nos últimos anos e, em 2018, os portugueses consumiram cerca de 3,685 milhões de embalagens destes fármacos.

Se sente que luta contra a dependência destas substâncias, procure ajuda. Não está sozinho(a).

Um artigo dos psicólogos Mauro Paulino e Mariana Moniz, da MIND | Psicologia Clínica e Forense.