Imagine ter de lidar com instabilidade nas suas relações interpessoais, mudanças bruscas e intensas de humor, assim como comportamentos impulsivos e autodestrutivos. Para uma pessoa com perturbação borderline (ou estado-limite) da personalidade, lidar com estes desafios é uma realidade.

Falamos em perturbação da personalidade quando existe um padrão persistente e rígido do funcionamento psicológico e comportamental, que se desvia acentuadamente do funcionamento esperado, e que provoca sofrimento na pessoa e/ou nos outros. Existem várias perturbações da personalidade, mas hoje queríamos partilhar um pouco mais sobre a perturbação borderline da personalidade, a qual descreve um padrão de grande instabilidade nas relações interpessoais, autoimagem (forma como a pessoa se vê a si própria e sua identidade), emoções e impulsividade acentuada, presente em vários contextos.

É uma das perturbações da personalidade mais diagnosticadas e estima-se que afete cerca de 1,6% da população geral, embora possa estar presente numa maior percentagem, pelo facto de existir uma grande sobreposição de sintomas com outras perturbações (como a ansiedade, depressão, perturbação bipolar), que dificultam o diagnóstico. Por sua vez, acresce que a pessoa que tem este registo de funcionamento nem sempre tem noção crítica sobre as suas reais características para solicitar ajuda terapêutica.

Este padrão leva a que os indivíduos se relacionem com as pessoas à sua volta de uma forma muito intensa. A imagem que têm dos outros altera rapidamente, podendo num momento ter uma imagem idealizada e perfeita de alguém, e, num momento seguinte, mostrar muita zanga e desvalorização face a essa mesma pessoa. Esta instabilidade, juntamente com a forte dependência que desenvolvem, torna-os muito sensíveis ao abandono e, por isso, tendem a ter comportamentos desesperados para o evitar, reagindo de forma intensa ao distanciamento relacional. O facto de exigirem bastante atenção das pessoas com quem se relacionam leva, por vezes, a que estas acabem por se sentir sufocadas, aumentando a probabilidade do tão temido abandono.

A grande instabilidade da própria identidade leva também a objetivos, valores e aspirações profissionais inconstantes, bem como alimenta também sentimentos crónicos de vazio e desvalorização, que, muitas vezes, caracterizam a perturbação. Tendem a ter comportamentos impulsivos em áreas potencialmente autodestrutivas (por exemplo, gastos, sexo, drogas), assim como comportamentos de automutilação (cortes ou queimaduras), ou comportamentos e ameaças suicidas.

Emocionalmente, apresentam alterações acentuadas de humor, reações emocionais intensas e dificuldade em se regular. Fruto do tumulto emocional interno, acabam por ter dificuldade em controlar a raiva, provocando explosões e conflitos constantes nas relações. Em momentos de extrema intensidade emocional, podem ter episódios dissociativos.

Para além de se saber que existem fatores genéticos que aumentam a sua probabilidade de ocorrência, o conhecimento científico avança também que experiências traumáticas de abuso ou negligencia na infância, assim como uma inconsistência e psicopatologia parental são comuns na perturbação.

Acredita-se que afeta de forma muito predominante o sexo feminino (cerca de 75% dos casos diagnosticados), mas tem-se vindo a compreender que pode afetar o sexo masculino mais do que pensado inicialmente. Esta perceção poderia estar associada ao facto de que as mulheres tendem a procurar mais ajuda profissional que os homens e também porque a raiva (frequente neste padrão de funcionamento) nos homens tende a ser mais socialmente aceite do que nas mulheres.

Apesar de ser uma perturbação que pressupõe desafios acentuados e prolongados, a maioria dos indivíduos que preenchem os critérios de diagnóstico consegue alcançar estabilidade profissional e relacional entre os 30 e 50 anos, surgindo a intervenção psicológica como uma solução eficaz para reduzir os sintomas associados (por exemplo, terapia cognitivo-comportamental, terapia focada nos esquemas).
Se se identifica com o funcionamento e dificuldades descritas, não hesite em pedir ajuda profissional. Não está sozinho e pode contar com um psicólogo para o ajudar.