Quando perdemos uma pessoa próxima, estamos de luto todos os dias. Contudo, nas festividades natalícias, é como se o luto ganhasse um espaço (ainda) maior nos nossos corações – em parte, pelas cadeiras vazias nas nossas mesas, pelos lugares por preencher, que nos impedem de evitar o contacto com a dolorosa realidade da morte: ele/ela já não está presente.

Como disse Vicky Harrison, fundadora e diretora executiva da Optimium Health, uma empresa de tecnologia de cuidados de saúde focada em melhorar a satisfação do paciente e do prestador de cuidados, “O luto é como um oceano. A dor da perda vai e volta como se tratasse de uma onda. Por vezes, a água é calma, outras vezes é agitada e violenta. E, por isso, tudo o que podemos fazer é aprender a nadar”. 

Não raras vezes, o primeiro Natal é apontado pelas pessoas em luto, e documentado pela ciência psicológica, como o mais doloroso. Tal acontece devido ao medo do desconhecido: o que vai ser mais doloroso? O que me vai ajudar a gerir a dor e, por oposição, o que vai contribuir como uma fonte de stress?

Naturalmente que isto não significa que os restantes dias não sejam dolorosos. A título de exemplo, um dos grandes desafios (e que pode estar presente em cada ano) é respeitar as diferentes necessidades emocionais e desejos de cada um dos membros da família em luto.

Algumas pessoas não vão estar, de todo, disponíveis para desfrutar de qualquer tipo de ritual natalício, pois seriam invadidas pela sensação de que estariam a trair a pessoa perdida ou a desvalorizar a sua morte.

Outras pessoas vão permitir sentir-se felizes na quadra natalícia, o que não significa, naturalmente, que estas pessoas gostassem menos da pessoa perdida, mas podem ter encontrado no Natal um mecanismo de distração e de algum conforto perante a dor.

E (ainda) vão existir pessoas que podem vivenciar um conflito interno: por um lado, a vontade de desfrutar com as pessoas que ainda se encontram presentes, mas, por outro, o sentimento de culpa pelos momentos de potencial bem-estar na ausência da pessoa perdida.

A complexidade do luto não se esgota naqueles cenários, pelo que não podemos esquecer a igual possibilidade de outras pessoas demonstrarem estar apáticas, ou seja, como se não estivessem a sentir nada, vazias, sem disponibilidade para rir ou para chorar. Mais uma vez, isto não significa que a pessoa é insensível. Esta reação tende a estar presente no primeiro Natal sem a pessoa perdida ou quando é um luto recente. A fase do choque após uma perda funciona como um mecanismo de proteção perante o sofrimento atroz que é despoletado na pessoa, a qual sente que não tem recursos para gerir a dor.

Todas estas reações são naturais, legítimas e devem ser respeitadas. A comunicação torna-se, nestas situações, fundamental. Tome-se como exemplo a importância de dizer ao outro que expressou o desejo de determinados rituais de Natal para conseguir gerir a dor, que isso não invalida o sofrimento que se encontra a sentir no momento. Ou, em alternativa, a necessidade de outros membros respeitarem a tomada de decisão de um familiar que escolhe não participar nos rituais e/ou festividades. Em qualquer uma destas situações, a comunicação é a chave para evitar conflitos que transcendem as épocas festivas e que se arrastam ao longo dos dias e semanas, dificultando cada vez mais o bem-estar individual e familiar.

Segundo Sherry Cormier, psicóloga especialista em luto e trauma, é imperativo delinear um plano que minimize a ansiedade e permita honrar e homenagear a pessoa perdida. Desta forma, a autora do livro “Sweet Sorrow: Finding Enduring Wholeness after Loss and Grief” (em português, como “Doce Tristeza: Encontrar a Plenitude Duradoura após a Perda e o Luto), sugere as seguintes estratégias:

1. Aceitar que vai ser um Natal diferente e (provavelmente) doloroso: é fundamental reconhecer que será um período de vulnerabilidade emocional e que não vale a pena fugir (não pode fugir para sempre, só estaria a reprimir as emoções, como uma bomba-relógio e um dia iria explodir). Desta forma, seja proativo em relação ao que ajuda a gerir a dor e, por oposição, a tudo o que prejudica o seu bem-estar. A título de exemplo, estar próximo de pessoas que potenciam a sensação de colo emocional, em detrimento de stress.

2. Definir limites: é importante tomar decisões sobre os rituais de Natal em que faz sentido participar e aqueles para os quais não sente estar preparado emocionalmente. Inclusive, se fizer sentido ir a um jantar de Natal com amigos e/ou familiares, não tem de ficar até ao fim. Reflita: será que existe disponibilidade emocional para participar em todos os rituais familiares e sociais? Se sim, com que regras e limites?

3. Estar em contacto com a dor: permita-se estar em contacto com a dor do luto e aceite que, nesta época festiva, podem coexistir emoções incongruentes. Por um lado, a tristeza e as saudades, e, por outro, o desejo de celebrar com as pessoas que sente que o amam e que estão do seu lado. Não recorra ao álcool ou a comida de forma excessiva, os benefícios são apenas a curto-prazo (isto pode ser visto como um “falso preencher da sensação de vazio”) e as consequências negativas podem perdurar por dias, como é exemplo, a culpa pelos excessos.

4. Planear com antecedência: é importante pensar nas festividades com antecedência (especialmente com crianças nas famílias), com o intuito de tentar prevenir momentos de tristeza e arrependimento. Por exemplo, se o avô costumava vestir-se de pai natal e os adultos consideram que seria benéfico para as crianças da família continuar a desfrutar deste ritual, pode ser interessante outro adulto desempenhar este papel.

5. Honrar as tradições e memórias: o que permite homenagear a pessoa perdida e mantê-la presente, do ponto de vista simbólico, no seio e rituais familiares, é continuar com tradições antigas. Outra forma de a pessoa estar “viva” é contar histórias sobre os natais com a pessoa perdida ou partilhar memórias de outras festividades ou eventos familiares. Ou simplesmente, trazer para mais perto uma foto da pessoa perdida no último Natal, ou terem uma peça de roupa em sua homenagem; ou cozinharem a sobremesa preferida ou ter a flor que a pessoa mais gostava; ou seja, tantas possibilidades quanto aquelas fizerem sentido à família, após uma decisão dialogada e empática.

6. Criar (novos) rituais familiares e tradições: apesar do mencionado anteriormente, se existem tradições demasiado dolorosas (para as quais a pessoa reconhece não estar preparada), pode ser benéfico encontrar novos rituais familiares. Criar (novas) memórias não apaga as antigas e o desejo da pessoa perdida seria sempre vê-lo desfrutar do Natal, não se sinta culpado por se permitir ter momentos positivos.

7. Praticar rituais do luto, dos mais tradicionais aos mais criativos: é igualmente importante continuar com os rituais do luto que mais fazem sentido (a si e à sua família), como é exemplo acender uma vela e/ou deixar flores na campa ou junto das cinzas; criar um espaço em casa com fotografias, flores ou outros objetos significativos para a pessoa perdida; fazer uma doação material ou financeira para uma associação que fizesse sentido para a pessoa perdida (por exemplo, uma doação de ração para um canil, caso a pessoa perdida adorasse animais); orar em família pela pessoa perdida; fazer a sua refeição preferida. O mais importante é que os rituais do luto façam sentido para cada pessoa em luto e para a família, em termos de homenagear a pessoa perdida e as suas características únicas e insubstituíveis.

Por acréscimo, destaca-se ainda a necessidade de aumentar o auto-cuidado nas festividades natalícias, por ser um período de fragilidade. Tome-se como exemplo, uma rotina que inclua ouvir música, enquanto faz uma caminhada, desfrutar de momentos de suporte social, praticar desporto ou yoga, recorrer à escrita, entre outros.

Apesar de uma positividade quase obrigatória e, por vezes, até possivelmente tóxica, em algumas realidades familiares, a verdade é que o Natal pode ser um momento de fragilidade emocional. As luzes de Natal, as famílias felizes, as compras de última hora recordam-nos da injustiça e zanga de ser a nossa família com cadeiras vazias. Vemos o mundo seguir em frente, com as suas rotinas, enquanto nós estamos a sofrer – é como se estivéssemos a gritar, mas ninguém ouvisse a nossa voz. Contudo, não se encontra sozinho(a). Peça ajuda, em consulta especializada de apoio ao luto!

As explicações são de Sofia Gabriel e Mauro Paulino da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.