Nesta altura do ano, marcada pelo período de férias, cresce a necessidade de uma pausa. O descanso é fundamental para o bem-estar do cérebro? Qual a importância de ‘desligar do trabalho’?
O trabalho tem uma grande importância na nossa vida, seja pelo tempo que passamos a trabalhar (grande parte da nossa vida) quer pelo impacto emocional que pode ter em nós. Por esse motivo, dependendo das suas características, ele pode ser promotor ou deletério para a nossa saúde mental. Mas mesmo quando corre tudo bem, há sempre algum grau de stress associado ao trabalho, sobretudo quando ele é desempenhado por um período muito prolongado de tempo de forma ininterrupta. Quando vivido de forma prolongada o stress tem efeitos deletérios para o cérebro nomeadamente desequilibrando a neurotransmissão. Por isso, os períodos de descanso são fundamentais para recuperação do funcionamento equilibrado do cérebro. Isso é ainda mais importante em profissões com trabalho por turnos e outras perturbações do sono, uma vez que isso tem um impacto adicional sobre a função cerebral.
Que consequências a falta de descanso pode trazer para a saúde mental?
Quando não descansamos, o cérebro vai sofrer os efeitos do stress crónico, com alterações da química cerebral e inflamação, que levam por sua vez a sintomas que transcendem o simples cansaço, incluindo sintomas depressivos e ansiosos, perturbação do sono, sintomas cognitivos como perda de memória ou dificuldades de concentração. Esses sintomas podem ou não ser suficientemente intensos e prolongados para evoluírem para doença mental, nomeadamente depressão.
Antes de chegar a esse ponto, a falta de descanso pode também associar-se ao burnout.
O mal-estar mental relaciona-se com a perda de produtividade, por isso é que é do interesse de todas as organizações promover a saúde mental das suas equipas
Qual a relação do burnout com a produtividade laboral?
O burnout é um estado mental (não é uma doença) que pode propiciar os contactos com serviços de saúde, que se caracteriza por três dimensões: exaustão emocional, cinismo em relação ao trabalho e falta de realização profissional. Necessariamente, quando há burnout, a produtividade reduz-se, mas nem é preciso chegar aí. O mal-estar mental relaciona-se com a perda de produtividade, por isso é que é do interesse de todas as organizações promover a saúde mental das suas equipas. Não só porque promove o bem-estar das pessoas que nelas trabalham, mas também porque melhora os resultados da empresa.
A desmotivação profissional pode, por si só, levar a uma depressão?
A desmotivação por si só não leva a depressão, mas pode ser um primeiro sintoma associado ao desenvolvimento de um burnout, se for persistente no tempo e não melhorar com as medidas habituais. E ter burnout aumenta o risco de desenvolver depressão. Por outro lado, desmotivação intensa, associada a outras características pode ser também sintoma de depressão.
Que estratégias devem ser adotadas para promover a saúde mental do ponto de vista pessoal?
Quando uma doença mental, como a depressão, já está instalada, o diagnóstico médico é necessário e o tratamento inclui psicoterapia e/ou medicação. Do ponto de vista preventivo é importante estimular estilos de vida saudáveis, com prática de exercício físico, períodos de descanso, respeito pelos ciclos vigília-sono, alimentação saudável. Pode ser também útil a aprendizagem de estratégias de relaxamento e, eventualmente, o acompanhamento psicológico.
De nada serve que o CEO seja muito sensível ao tema [da saúde mental] se as chefias intermédias não o ponham em prática
Que medidas de prevenção e promoção da saúde mental as empresas podem adotar?
Para as empresas é benéfico potenciar a saúde mental das suas equipas porque isso melhora também os seus resultados. Nesse sentido o mais importante é a formação, particularmente das lideranças, porque são elas que determinam a cultura e o funcionamento das equipas. De nada serve que o CEO seja muito sensível ao tema se as chefias intermédias não o ponham em prática.
Quais considera serem os maiores desafios que Portugal enfrenta na área da saúde mental? O que falta ser feito?
Portugal é um dos países do mundo com maiores taxas de doenças mentais comuns, nomeadamente as perturbações de ansiedade e as perturbações depressivas. Ao mesmo tempo, foi considerado o país da OCDE em que os trabalhadores estão em maior risco de burnout. Isto quer dizer que no nosso país as intervenções são necessárias a vários níveis. Ao nível da prevenção, as organizações têm de facto um papel fundamental. De uma perspetiva mais global, a promoção da saúde mental tem também muito caminho a fazer, até porque só recentemente passou a ser encarada como uma prioridade dentro da saúde. Já do ponto de vista do tratamento das doenças mentais, Portugal está a atravessar uma fase muito difícil, particularmente no que diz respeito ao SNS, o que aliás acontece em todas as especialidades. Há um défice de investimento público crónico em saúde mental que ainda não foi invertido, e isso traduz-se em défices infra-estruturais e de recursos humanos (médicos, psicólogos, enfermeiros e não só). Observamos por isso listas de espera crescentes para consultas, dificuldades ao nível dos internamentos e serviços de urgência, que só serão ultrapassados se o governo fizer uma mudança radical na gestão dos investimentos e dos serviços.
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