Ao longo dos últimos anos, a psicopatia tem vindo a ser amplamente estudada pela ciência psicológica. No que diz respeito à sua origem, as teorias apontam para a presença de fatores genéticos e ambientais. Particularmente, no que diz respeito ao contexto ambiental, destacam-se fatores como uma história de negligência e maus-tratos infantis, abuso sexual, um ambiente hostil e agressivo, assim como uma relação distante e disfuncional com as figuras cuidadoras.

As pessoas descritas como psicopatas apresentam um funcionamento definido por características como as seguintes, nomeadamente:

  1. Insensibilidade e frieza emocional;
  2. Níveis reduzidos de empatia, ausência de sentimentos de culpa e remorsos;
  3. Níveis elevados de impulsividade e uma baixa tolerância à frustração;
  4. Vivência de sentimentos de grandiosidade;
  5. Implementação de comportamentos de manipulação e/ou que violam as necessidades e direitos dos outros para proveito próprio;
  6. Recurso a formas instrumentais ou predatórias de agressão e crueldade deliberada;
  7. Tendência a envolver-se em comportamentos de risco, associada a uma capacidade limitada para ser responsável ou assumir as consequências das suas decisões;
  8. Dificuldades em iniciar ou manter relações interpessoais.

Não obstante, apesar das características comuns, as pessoas que preenchem o constructo de psicopatia podem apresentar um funcionamento distinto. Por um lado, apresentam-se os considerados “psicopatas funcionais” ou “psicopatas com sucesso”, os quais, por oposição à imagem tendencialmente transmitida pelos media à sociedade, não correspondem ao protótipo de psicopata assassino.

Alguns destes psicopatas são empresários bem-sucedidos, advogados ou políticos que, embora possam explorar e manipular os outros, não são assassinos em série. Características da psicopatia como o charme, autoconfiança, persuasão e uma reduzida sensibilidade ao stress servem como uma estratégia para controlar ou exercer influência no meio social. Em poucas palavras, os psicopatas denominados com sucesso são pessoas que apresentam um maior controlo sob a autorregulação dos seus impulsos antissociais.

Por outro, temos os psicopatas envolvidos no mundo do crime e comportamento violento, delinquência e reincidência. Inclusivamente, neste domínio, a psicopatia tem vindo a ser associada a crimes que integram a violência doméstica e ofensas sexuais como a violação, coerção sexual, homicídio sexual e abuso sexual de crianças.

Para compreender estas diferenças é fundamental conhecer as facetas que constituem a psicopatia, designadamente:

  1. Faceta interpessoal (por exemplo, mentira patológica, manipulação emocional)
  2. Faceta afetiva (por exemplo, insensibilidade emocional, ausência de remorsos)
  3. Faceta estilo de vida (por exemplo, impulsividade, irresponsabilidade)
  4. Faceta antissocial (por exemplo, reduzido auto-controlo, versatilidade criminal)

Se considerarmos que as pessoas com traços psicopáticos podem apresentar um funcionamento em que predomina a influência de uma determinada faceta, podemos compreender o porquê de algumas pessoas serem “psicopatas de sucesso” e outros potenciais criminosos violentos. Enquanto que nos primeiros, predomina, por exemplo, a faceta interpessoal e traços como a manipulação emocional de terceiros, nos segundos surge a faceta antissocial como a predominante e, por sua vez, traços como o recurso a comportamentos de risco e à criminalidade.

Desta forma, coloca-se a seguinte questão: será que a frieza emocional e os níveis reduzidos de empatia dos psicopatas os impede de cometer suicídio? Ou será que, por oposição, a impulsividade e reduzido auto-controlo se constituem como fatores facilitadores deste ato contra a própria vida?

A investigação científica acerca da relação entre a psicopatia e o suicídio tem vindo a produzir resultados discrepantes. Se, por um lado, alguns estudos apontam a psicopatia como um fator de risco para o suicídio, outros consideram esta perturbação como um fator protetor.

Segundo a perspetiva que define a psicopatia como um fator amortecedor face à ideação e comportamentos suicida, este efeito é resultado de algumas das características desta perturbação, designadamente o défice na consciência das emoções, a tendencial imunidade ao stress e a reduzida capacidade de empatia ou de sentir remorsos.

Como alternativa, destaca-se a conceptualização da psicopatia enquanto fator de risco para a existência de pensamentos e comportamentos suicidas, dada a predominância de comportamentos impulsivos, o desejo de manipular e explorar os outros e a identidade criminal que emerge do envolvimento em comportamentos antissociais. Um exemplo representativo desta relação remete para o facto do suicídio se constituir como uma das maiores causas de morte dos jovens que se encontram em contexto prisional, segundo uma investigação de Mark Heirigs e colegas, publicada em 2018 no International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology e que envolveu o contributo de mais de 700 jovens com traços de psicopatia.

Para as pessoas em que a faceta estilo de vida ou a faceta antissocial predominam e, por isso, apresentam níveis mais elevados de impulsividade, dificuldades em planear o futuro e uma incapacidade em regular as emoções, a psicopatia é um fator de risco para o suicídio. Associado ao risco de suicídio, estas pessoas apresentam igualmente uma tendência a recorrer a comportamentos auto-lesivos, como a automutilação.

Pelo contrário, quando predomina a faceta afetiva e, consequentemente, traços como a baixa sensibilidade ao stress, a insensibilidade emocional e ausência de remorsos, a psicopatia funciona como um fator protetor para pensamentos e comportamentos suicidas.

Em suma, enquanto que pessoas com traços psicopáticos associados à impulsividade são mais suscetíveis a viver ideação suicida, pessoas com personalidades caracterizadas, predominantemente, pela frieza, insensibilidade emocional e imunidade ao stress são menos suscetíveis de ponderar o suicídio. Naturalmente que uma pessoa que carece desta sensação de imunidade ao stress e que se encontra altamente ansiosa e perturbada por vários estímulos é muito mais suscetível de contemplar o suicídio.

É assim imperativo que a psicopatia seja perspetivada como um conjunto de traços disfuncionais, os quais tem um peso diferente no comportamento individual de cada pessoa com um funcionamento psicopático. Esta informação torna-se imprescindível para a avaliação do risco de suicídio em psicopatas, assim como para a distinção de diferentes expressões da psicopatia.

Um artigo dos psicólogos clínicos Sofia Gabriel e Mauro Paulino.