Cindinha é uma homenagem à avó de Marcos e era também o nome pelo qual o espaço foi sempre conhecido. As pessoas vinham da missa e ficavam ali à conversa, foi durante muito tempo a única livraria da região, onde se compravam os livros e material escolares. “O autocarro fazia um desvio para passar aqui com os livros que trazia das editoras do Porto”, explica Marcos Barbosa, mas no restante ano vendia-se ainda alguma fruta e hortícolas, produtos de higiene e bebidas.

Durante 25 anos a livraria esteve fechada e quando Marcos e Raquel decidem reabrir o espaço “foi uma explosão de cheiros e de memórias”, a reviver os anos de escola numa livraria “carregadinha de relíquias” muito bem conservadas, conta Raquel Carvalho.

O casal já tinha a ideia de ter um negócio próprio, mas com Raquel a trabalhar num laboratório de um hospital e Marcos na área da engenharia, “trocar o certo pelo incerto, e investir numa renda, era complicado...”, explica Raquel. Um processo de partilhas, em que lhes calhou este pedacinho da casa, onde aliás Marcos chegou a viver, fê-los perceber que o seu sonho adiado tinha potencial de ser concretizado neste local cheio de memórias.

Aprenderam sobre agricultura biológica e os seus processos de certificação, ouviram vizinhos e produtores e a intuição. Em fevereiro de 2019, reabrem a loja da avó Gracinda e do avô Américo.

Estamos a criar a nossa história com o cunho do que os avós faziam.

À tradição juntam a sustentabilidade: “É o nosso estilo de vida, sempre fizemos tudo isto em casa, os nossos pais e avós também são assim, é seguir esse exemplo”. Enquanto Raquel explica, Marco recorda pormenores: “Temos aqui um armário que tinha as sacas da avó, ainda nos lembramos dos estendais das roupas com as sacas também.”

Passaram-se poucos anos desde que os panos secavam nos estendais a açambarcarmos sacos de plástico na caixa de um hipermercado. “Foi fácil”, refere Raquel, quando se recorda dos sacos de pano a secar ao sol no mesmo terreno onde havia vinhas e árvores de fruto e onde agora as laranjeiras voltaram a florescer. Marcos afina os truques da agricultura na horta nas traseiras da loja.

Pela vila ainda há a tradição das pequenas hortas. “Eu tenho batatas, a vizinha dá a cebola”, conta Raquel, explicando que a maior parte dos clientes são das cidades vizinhas: Famalicão, Trofa, Santo Tirso, Guimarães e Porto.

Nunca temos os frescos na banca porque colhemos só quando o cliente pede, temos clientes que vão connosco à horta para colher.

Além de proporcionarem uma frescura rara de encontrar pela proximidade entre o local de produção e de venda, o mote é também não gerar desperdício. “Gostamos de trabalhar com cabaz e tentamos transmitir esta ideia porque no cabaz apanhamos a quantidade certa. Gostamos de trabalhar assim. Os clientes mandam o seu pedido e nós colhemos na hora o que é preciso.”

A lista de colheita é feita ao pormenor. Marcos explica que prefere voltar à horta do que colher a mais e desperdiçar. “Gostamos de trabalhar assim e acho que nos diferencia”, conta Raquel.

Pandemia, cabazes e clientes

Durante o primeiro confinamento nacional, este casal não teve mãos a medir. Chegaram pedidos de todo o país e “o salto foi enorme”. Apesar de não terem conseguido responder a tantas solicitações – porque são apenas os dois e assim pretendem continuar por enquanto –, o interesse nos produtos biológicos da sua horta cresceu muito.

“Alguns dos clientes ligam a avisar que vão passar e para ir apanhar o que querem à horta. Quando chegam, têm o cabaz já feito, muitos pagam por transferência e eu quase que meto o cabaz acabado de sair da horta dentro do carro”, explica Raquel e dá o contraponto com alguns clientes que estão em teletrabalho: “Nós avisamos que fazemos entregas, mas alguns gostam de vir cá e vir à horta, ficar na conversa. Algumas pessoas vinham com sede de falar e eu também adoro isso.”

Cidninha
A loja Cindinha em Joane, Famalicão

E quem são estes clientes mais interessados em comprar produtos biológicos? Raquel divide em dois grandes grupos: “os jovens pais que começam a dar as primeiras sopas e papas aos bebés e vemos que os pediatras já recomendam os produtos biológicos e vêm fazer o cestinho para os filhos. Nota-se que para alguns não dá para comprar para a família toda, mas tentam para a sopa dos filhos.” Depois, conta que há também uma grande procura por parte dos doentes oncológicos, por ser também uma dieta muito aconselhada pelos médicos.

Biológicos, locais e eficientes como um estilo de vida

Ao mesmo tempo que se empolgam para falarem de agricultura, com o entusiasmo de quem começou há pouco mas com a calma de quem segue uma tradição, entristecem-se com os processos de certificação e questionam: “Nós que não deitamos nada na terra temos de certificar todos os passos, mas quem faz agricultura convencional não tem de dizer o que deita na terra. Não é estranho?”

Nesta loja não há lugar para produtos exóticos ou da moda que obrigam a uma pegada ecológica. “Tudo o que seja fora de época, obriga-nos a gastar muitos recursos, quer seja água ou energia, e se as coisas forem produzidas no tempo certo fluem naturalmente”, explicam ao mesmo tempo que alertam que é importante não ir atrás das modas, e perceber o que há localmente – “há algumas teorias que dizem que temos tudo o que precisamos num raio de cinquenta quilómetros”, afirma Raquel.

Na Cindinha há alface, vários tipos de couve, como lombardo e coração, brócolos, couve-flor, espinafres e outros vegetais mas marcam a diferença com a couve kale, kale roxa, couve toscana e as aromáticas.

Com a experiência, vão percebendo o que vendem mais e aplicando essa gestão na horta. Sabem os gostos dos clientes e vão dando conta do crescimento dos alimentos. Não é incomum Marcos pedir a Raquel para avisar clientes que algo de que gostam vai sair do campo nas próximas semanas.

Todas as ações deste casal são pensadas para a eficiência. Quando a carrinha sai, volta cheia. Na distribuição de cabazes, trazem o pão da Garfa, uma padaria no Porto que partilha os valores ecológicos, e dos clientes os frascos vazios, as caixas dos ovos, o balde do composto, recolhem óleo, que depois devolvem à empresa que faz os detergentes ecológicos e contribuem para economia circular – os óleos regressam em forma de detergentes e a horta biológica é fertilizada com o composto das suas sobras. “Acho que os clientes gostam muito disto”, refere Marcos.

“Nós temos orgulho de dizer que somos bio, não só porque temos uma certificação, mas porque é a nossa forma de viver. Com o respeito que temos pela terra, pelo nosso filho e pela forma como queremos que viva. Às vezes digo que não precisava que ninguém me certificasse porque tenho plena consciência daquilo que fazemos. É a nossa forma de viver”, resume Raquel.