A fibromialgia é invisível, mas os sintomas são reais, e tem consequências psicológicas. Trata-se de uma doença reumática crónica que se manifesta, sobretudo, por hiperalgesia (dor excessiva) generalizada, imprecisa e difusa nos músculos e tecidos moles. Estima-se que afete 300 mil pessoas em Portugal, com maior prevalência nas mulheres.
Embora muitas pessoas ainda considerem a fibromialgia como o resultado de uma mente criativa ou de quem se socorre de uma doença “fabricada” para obter ganhos secundários, é fundamental desconstruir-se a ideia de que estes doentes inventam ou, pelo menos, exageram grandemente nos sintomas que descrevem. Eliminar este estigma permite que os doentes possam recorrer, sem receios, a serviços médicos de diagnóstico e tratamento e que se sintam legitimados nesta doença e nas manifestações que a mesma apresenta.
De facto, a incredulidade ou a desvalorização da sua condição de doentes com fibromialgia tem implicações no que diz respeito ao seu próprio bem-estar, assim como também tem repercussões negativas em contexto laboral e na sociedade. Estas pessoas vivenciam sentimentos de enorme incompreensão de terceiros sobre a génese, autenticidade, sintomatologia e limitações provocadas pela fibromialgia.
No entanto, o conhecimento científico atual não deixa margem para dúvida: a doença existe e o sofrimento pode ser doloroso e intenso, sendo a componente psicológica particularmente importante. Com frequência os sintomas condicionam ou incapacitam o dia-a-dia do doente em todas as áreas da sua vida, designadamente, física, psicológica, familiar, profissional e social.
“Parece que um camião passou por cima de mim” é uma expressão que os doentes usam frequentemente para descrever a fadiga intensa ou a exaustão física persistente e excessiva. Também as alterações do padrão do sono (insónias, dificuldade em adormecer, despertares noturnos frequentes, sono não reparador), a síndrome do colón irritável, sudação, cefaleias, e hipersensibilidade aos estímulos externos são manifestações comuns desta doença.
E nem a saúde mental está isenta de sintomatologia. Estão presentes várias alterações psicológicas, como, por exemplo, ansiedade, stress, humor deprimido e irritabilidade, inviabilizando estados emocionais saudáveis e essenciais na qualidade de vida e bem-estar.
Cerca de 2/3 dos casos diagnosticados com fibromialgia podem desenvolver depressão ao longo da vida. Durante muito tempo pensou-se, inclusive, que a fibromialgia era uma espécie de depressão mascarada, que atingia, sobretudo, as mulheres. Ou seja, o conjunto de sintomas que a caracteriza seria uma consequência exclusiva de problemas do foro psicológico.
A depressão, considerada a doença mental mais incapacitante do planeta, com prejuízos no funcionamento pessoal, familiar, profissional e social, provoca níveis de sofrimento que podem ser classificados, desde ligeiros a severos.
No mesmo âmbito da saúde psíquica, são descritas perturbações cognitivas, tais como, défices de atenção e de memória e dificuldades de concentração, passíveis de originar muita frustração nos doentes, devido à complexidade que sentem na realização das tarefas mentais e comportamentais que exigem foco, concentração e capacidade de recordação.
Estudar para um exame, lembrar de procedimentos necessários à realização de tarefas profissionais ou domésticas, ou, simplesmente, no caminho para o supermercado esquecer-se do que lá ia comprar, são meros exemplos das dificuldades que enfrentam e que provocam sentimentos de impotência, diminuem a autoestima e vulnerabilizam a autoconfiança. A falta de força e a rigidez muscular persistentes reduzem o sistema motivacional, necessário para a planificação e realização de tarefas diárias.
Hoje, sabe-se que não existe uma causa única para a fibromialgia. Fatores diversos, combinados ou isolados, podem desencadear e/ou favorecer o aparecimento e o agravamento dos quadros sintomáticos, no que diz respeito ao estado emocional da pessoa (por exemplo, estados depressivos e ansiogénicos ou stress), aos acontecimentos traumáticos (por exemplo, a morte de um familiar, divórcio ou desemprego), a traumas físicos (por exemplo, um acidente de viação ou uma cirurgia), ou à existência de outras patologias associadas.
Apesar da fibromialgia ter sido reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1990, persiste a desvalorização. Este fenómeno, que facilmente desencadeia, no doente, sentimentos de culpa, vulnerabilidade, desespero e solidão, beneficia largamente de ajuda psicológica. Efetivamente, a consulta psicológica permite que o doente desenvolva um conjunto de estratégias adequadas a si próprio para melhor aceitar a sua condição, saber lidar eficazmente com a dor e com os demais sintomas e consequências provocados pela fibromialgia, assim como recuperar o bem-estar, tanto quanto possível.
A terapia cognitivo-comportamental é uma abordagem comprovadamente eficaz no tratamento não farmacológico da fibromialgia. Estudos mais recentes apontam o EMDR (Eye Movement Desensitisation and Reprocessing) como modelo de intervenção psicológica potencialmente promissor na redução da dor crónica e do sofrimento emocional.
Procurar ajuda especializada é um ato de saúde e de amor.
Um artigo da psicóloga clínica Lina Raimundo, da MIND - Psicologia Clínica e Forense.
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