Nos últimos anos, tem havido um crescente interesse em compreender os mecanismos que poderão explicar que, por exemplo, a ansiedade influencie negativamente resultados funcionais de muitas doenças, como a fibrose quística, diabetes mellitus tipo 1 e asma, como parecem demonstrar alguns estudos recentes.
A DII engloba, maioritariamente, duas formas de expressão: a Doença de Crohn (DC) e a Colite Ulcerosa (CU). Embora duas entidades distintas, no que diz respeito à forma de apresentação e às características patológicas, estas doenças apresentam muitos aspectos em que se sobrepõem.
Enquanto que a Colite Ulcerosa afeta o cólon, a Doença de Crohn pode envolver qualquer componente do aparelho digestivo, desde a boca à região perianal, em extensão variável de doente para doente.
Ambas se caracterizam pela alternância entre períodos de quiescência e de recaída. A sua patogénese continua por esclarecer integralmente, mas, uma complexa interacção entre factores genéticos, imunológicos e ambientais, em indivíduos predispostos, estará na base da resposta inflamatória intestinal exagerada e inapropriada.
Como poderá o stress influenciar o tracto gastrointestinal?
Sabe-se que a exposição ao stress pode conduzir a diferentes sintomas e manifestações no aparelho digestivo, tais como: dor abdominal, diarreia, obstipação e dispepsia (dificuldade de digestão).
O stress, nas suas diferentes formas, tem um papel muito importante e inquestionável no agravamento das doenças gastrointestinais em geral, sobretudo nas chamadas doenças funcionais. Esta íntima, mas complexa interligação, do Sistema Nervoso Central (SNC) com o trato digestivo, longe de estar totalmente compreendida, é responsável pelas respostas do tubo digestivo.
As tentativas para compreender esta inter-relação conduziram à descoberta de um sistema nervoso entérico. Este "pequeno cérebro", como é chamado, é crucial na regulação fisiológica das diversas funções do tracto intestinal e é, ele próprio, capaz de fornecer informações ao cérebro, numa relação de bidirecionalidade.
O stress pode ser responsável pelo aparecimento de DII?
Ao longo dos últimos anos, o stress tem sido estudado como fator de risco para o aparecimento da DII. Estudos populacionais revelaram que doentes com DII têm uma maior incidência das perturbações da ansiedade. Por outro lado, verificou-se que a perturbação da ansiedade antecedia frequentemente o início da doença, sugerindo uma possível modulação do processo da doença pelos aspetos emocionais, podendo agravar os sintomas, provocar recidivas ou, ao contrário, influenciar positivamente a situação anterior. Apesar disto, está por provar o nexo de causalidade.
Os doentes com DII têm maior nível de ansiedade?
Nos pacientes com DII, estima-se que os níveis de ansiedade estejam entre 29% e 35% durante os períodos de remissão da doença e de 80 % durante as recaídas. É fácil perceber que, muitas das vezes, estes níveis de ansiedade sejam provocados pela própria doença e pelos sintomas dela decorrentes. Estas perturbações da ansiedade em doentes com DII, sobretudo na Doença de Crohn, têm uma incidência muito maior do que na população em geral e maior do que aquelas que acontecem noutras doenças crónicas.
Por que razão os doentes com DII têm maiores níveis de ansiedade?
Existem várias razões que podem explicar a grande incidência de perturbações da ansiedade e do humor nestes doentes, como as dificuldades em lidar com a doença em si, a aceitação da sua cronicidade ou a dor e a incapacidade funcional decorrentes. A terapêutica com corticóides, pode também ser responsável por potenciar aquelas perturbações.
Em que medida o stress se relaciona com a DII?
As doenças inflamatórias intestinais (DII) estão associadas a distúrbios do humor, como ansiedade ou depressão, mas não está claro se uma contribui para o desenvolvimento da outra, ou se a interacção é bidirecional (ansiedade ou depressão contribuem para a progressão da DII e a DII afeta a saúde psicológica).
Estudos recentes correlacionaram o stress crónico, a depressão e eventos adversos da vida, com o aumento das recaídas destas doenças em doentes com DII quiescente.
Há uma base biológica para explicar a relação do stress e a inflamação?
Numerosos estudos têm explorado uma ligação biológica entre stress psicológico e inflamação intestinal. O stress modula o sistema imunológico, sendo a resposta imune geral dependente da intensidade e da duração do mesmo.
Situações de stress agudo, por exemplo, desencadeiam uma resposta ao nível do eixo hipotálamo-hipofisário, levando ao aumento dos níveis de cortisol que ativam, por seu lado, o sistema nervoso autónomo e levam a um aumento das citocinas pró-inflamatórias (como fator de necrose tumoral, interleucina-6 e interferon), responsáveis pela inflamação intestinal e sintomas a nível sistémico.
Por outro lado, o stress crónico diminuiu o número de células de defesas do organismo (como as CD8, natural killer e macrófagos). Por outro lado, alguns estudos em modelos animais demonstraram que o epitélio (tecido) de revestimento intestinal se torna mais permeável, permitindo a translocação bacteriana para a parede intestinal e da carga microbiana no tecido do cólon, o que, aliado a uma resposta imunológica local enfraquecida, resultaria em inflamação.
Alterações na composição do microbioma intestinal também têm sido observadas nestas situações.
O controle do stress e da ansiedade deve fazer parte integrante no controlo da DII?
Definitivamente, sim. O tratamento físico das doenças psicossomáticas é de fundamental importância, mas o tratamento psicoterapêutico também deve auxiliar neste processo. Os aspectos psicossociais, vistos até há pouco tempo como amplamente irrelevantes, são cada vez mais reconhecidos como importantes no cabal e efetivo controle da doença crónica.
Juntamente com os sintomas físicos, a ansiedade e o stress são parte integrante da morbilidade com que estes doentes têm de lidar. Se é incerto que estes fatores influenciem directamente a história natural da doença, pelo menos, o controlo do stress reduzirá muito dos sintomas gastrintestinais associados às doenças inflamatórias intestinais.
Uma estratégia terapêutica abrangente que inclua o controlo de stress permitirá também que o doente adopte uma atitude mais positiva em relação à sua doença, o que se refletirá ao nível da sua qualidade de vida e na adesão à terapêutica. Estamos claramente nos primeiros dias de explorar as interacções mente e corpo.
As explicações são da médica Laura Oliveira, pediatra no Hospital CUF Infante Santo.
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