A necessidade de um regresso às origens é defendida por muitos. "Estamos a presenciar o começo de uma extinção em massa e tudo o que vocês fazem é falar de dinheiro e de contos de fadas sobre um crescimento económico eterno (…) Os olhos da geração futura estão postos em vocês. E, se decidirem fracassar, eu digo-vos. Nunca iremos perdoar-vos. O mundo está a acordar. E a mudança vai chegar, independentemente de vocês gostarem ou não", garantiu Greta Thunberg na Cimeira da Ação Climática, em Nova Iorque.
A jovem de 17 anos, que faltava todas as sextas-feiras às aulas para se sentar no parlamento sueco e discutir questões sobre a sustentabilidade ambiental, tem vindo a exigir aos líderes mundiais medidas para um futuro mais sustentável, à semelhança do que fez nos EUA no dia 23 de setembro de 2019. O consumo médio de carne por pessoa no mundo aumentou nos últimos 50 anos, de 23 quilos em 1961 para os 43 quilos em 2014, de acordo com notícias publicadas pela imprensa internacional em 2018.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, em 2050, a população global será superior a 9.000 milhões de pessoas e, como tal, será necessário produzir mais 60% de alimentos para as alimentar. Ambientalistas e engenheiros do ambiente insistem recorrentemente que, se não alterarmos os nossos hábitos de consumo, principalmente no que diz respeito à alimentação, iremos assistir a um colapso ambiental. Por isso, a reciclagem, o desperdício zero, o fim do plástico e a redução do consumo de carne são os pequenos gestos que poderão ajudar-nos a diminuir as consequências de um planeta doente.
É nos pequenos gestos diários que ainda reside a esperança e é, precisamente, sobre esses que vamos falar a seguir, apresentando uma série de relatos inspiradores. "Foi por volta do mês de maio de 2012 que eu e o meu marido decidimos mudar drasticamente a nossa alimentação", assume a ambientalista Suzy Amis Cameron, numa conversa que tivemos com ela no hotel Ritz, em Lisboa. O processo de mudança começou depois de o casal ter visto "Forks over knives", um documentário ativista sobre alimentação.
"No dia seguinte, já estávamos a comer de uma maneira totalmente diferente", desabafa. No entanto, o interesse por questões ambientais surgiu muito antes, ainda no final da década de 1990. Suzy Amis Cameron nasceu em Oklahoma, nos EUA, onde tem vindo a participar de forma ativa na defesa do ambiente. É fundadora de vários projetos de sustentabilidade ambiental, desde a indústria da moda à alimentação e lançou "Mude de alimentação, salve o planeta", publicado em Portugal pela editora Nascente.
Neste livro, lançado em setembro de 2019, a ambientalista apresenta o plano alimentar OMD, sigla de One Meal a Day. A intenção é alterar uma refeição diária de origem animal por uma de origem vegetal por dia. "Ter uma alimentação à base de vegetais tem inúmeros benefícios para a saúde, desde a prevenção de doenças, como o cancro, até ao reforço do sistema imunitário. Certamente que o que é melhor para a saúde também será para o ambiente", referiu Suzy Amis Cameron em entrevista à Saber Viver.
O que mudar para conseguir uma dieta mais sustentável
São muitos os especialistas que se reveem nas convicções de Suzy Amis Cameron. De acordo com a nutricionista Lillian Barros, a dieta mais sustentável para o meio ambiente deve ser aquela que valoriza a redução do consumo de carne e de produtos industrializados e empacotados. "O ideal será aumentar o consumo de frutas, legumes, verduras e frutos secos para que seja possível minimizar ao máximo o impacto negativo no meio ambiente e, ainda assim, contribuir para a saúde de todos", defende.
Os EUA, um dos locais do mundo onde se consome mais carne, ainda estão, todavia, longe dessa meta. "Em média, cada cidadão consome três hambúrgueres por semana, o que equivale a uma impressionante soma de 50.000 milhões de hambúrgueres por ano. A produção de cada cheeseburger exige 6.814 litros de água e cada hambúrguer produz a mesma taxa de emissões do que um automóvel em 25 quilómetros", lê-se mesmo no livro Mude alimentação, salve o planeta", de Suzy Amis Cameron.
Se decidir seguir o plano OMD durante um ano e substituir apenas uma das suas refeições diárias de origem animal por uma de origem vegetal "irá estar a poupar cerca de 736.895 litros de água e o carbono equivalente a 4.952 quilómetros a conduzir o seu carro", sublinha a ambientalista norte-americana. Agora, imagine o que seria isto multiplicado por 7.000 milhões de pessoas. Tal como sucedeu com a redução da poluição durante a pandemia de COVID-19, a diferença seria, também aqui, abismal.
A procura pelo equilíbrio saudável que move milhões
A questão sobre se a proteína animal é necessária para o bem-estar do organismo do ser humano continua a constituir um eterno debate que se arrasta há muito e que está, todavia, longe de ter o fim à vista. De um lado e de outro, os argumentos, por vezes extremistas e antagonistas, sucedem-se. Para pessoas que consumiram sempre alimentos de origem animal regularmente, a nutricionista Lillian Barros desaconselha eliminar o seu consumo por completo, sem qualquer acompanhamento.
No entanto, deixar de consumir alimentos de origem animal não tem qualquer consequência negativa para a saúde, desde que "exista um acompanhamento monitorizado por um nutricionista, uma vez que através da combinação correta de proteínas vegetais se consegue obter todos os aminoácidos essenciais, ácidos gordos, vitaminas e minerais", garante Lillian Barros, referindo que a suplementação com vitamina B12 ou outros micronutrientes pode ser necessária. Por vezes, pode ser difícil deixar para trás alguns dos alimentos que comemos a vida inteira. Suzy Amis Cameron revela os momentos mais dramáticos do seu processo de mudança.
Para a americana, o mais difícil de eliminar na sua alimentação quotidiana foi o queijo e os iogurtes, aproveitando para alertar para o perigo do consumo dos laticínios. "Todo o leite de mamíferos contém uma quantidade de opioides naturais. O bebé humano, durante um ano, pode crescer entre os sete e os dezoito quilos, uma vaca bebé cresce entre os sessenta e os seiscentos quilos. O que quer dizer que, ao consumirmos leite de vaca, estamos a consumir dez vez mais opioides", explica a ambientalista.
Suzy Amis Cameron considera ainda que o leite tem o poder de nos deixar anestesiados. "Por isso é que, quando não dormimos bem à noite, nos dizem para bebermos um copo de leite, morno, antes de irmos dormir", acrescenta. "O principal conselho que eu dou quando alguém deseja mudar de hábitos alimentares é arranjar um aliado para, juntos, enfrentarem o processo de mudança. É algo que pode ser divertido e muito interessante, porque existe uma enorme troca de ideias e é bastante empoderador", garante.
A perfeita imperfeição como estratégia
Para se conseguir ter uma alimentação mais sustentável, não é necessário ser-se perfeito e muito menos radical, ao contrário do que possa pensar. As pequenas mudanças já fazem uma grande diferença. "O plano alimentar OMD é um convite para conhecer uma alimentação que não é processada nem de origem animal. Pode comer o que lhe apetecer ao pequeno-almoço ou ao jantar, por exemplo. Só tem de mudar uma refeição e, nesse sentido, não é necessário existir perfeição", afirma ainda Suzy Cameron.
Lillian Barros também é da opinião de que a melhor a opção é ir reduzindo aos poucos o consumo. "Aumentar a ingestão de frutas e vegetais no prato, mesmo quando existe algum produto animal, é uma excelente forma de reduzir a quantidade necessária. Mas, mais do que isso, pensar em deixar de utilizar plástico ao comprar vegetais frescos, optar por sacos de pano, recusar os inúmeros sacos que nos dão na charcutaria e na pesagem de vegetais, são formas diárias de reduzir o impacto ambiental", aconselha.
Poupe tempo, dinheiro e ganhe saúde. Uma alimentação à base de vegetais tem de ser forçosamente mais dispendiosa? Não, necessariamente! "No entanto, se comprar produtos de origem vegetal processados, pode tornar-se mais cara", alerta. O tempo é outro fator importante para quem opta por este tipo de alimentação. O segredo está em comprar grandes quantidades de legumes e prepará-los aos domingos, por exemplo, para depois não perder tempo com a sua preparação durante a semana.
"É tudo sobre voltar a aprender a cozinhar, que julgo ser uma tarefa um pouco esquecida", refere a ambientalista. Além disso, ao alimentar-se de forma mais saudável, tem uma menor probabilidade de ficar doente. Por isso, as idas ao médico serão menos frequentes, o que acaba por ser também uma forma de poupar dinheiro. "O meu marido esteve constipado uma vez em sete anos. Os meus filhos raramente ficam doentes e nós não tomamos nenhum tipo de medicação", revela Suzy Amis Cameron.
Comida verdadeira para pessoas reais
A importância do biológico é essencial. Para além da redução do consumo de carne, existem outros fatores que interessam para a preservação do meio ambiente. Como, por exemplo, "optar por produtos da época, de produção nacional, fazer uma boa gestão de compras para reduzir o desperdício alimentar e minimizar o consumo do plástico são algumas formas que nos ajudam a reduzir a nossa pegada ambiental", afirma Lillian Barros. Tudo o que for de produção massiva e industrializada deve ser evitado.
É esta a lógica que segue Eunice Maia na sua loja de produtos biológicos, Maria Granel, onde pode encontrar desde especiarias a leguminosas e chocolates, como o nome indica, tudo a granel. Além disso é um estabelecimento comercial de desperdício zero, onde não existe plástico. "As pessoas que nos visitam trazem muitas vezes os seus próprios recipientes e, só nesse gesto, já estão a evitar as embalagens", sublinha. Empresas como a Benamôr também vendem a granel. Além de creme hidratante, também tem gel de banho em embalagens metálicas reutilizáveis, que são trocadas sempre que o cliente se dirige às suas lojas para as (re)encher.
A alimentação é, todavia, uma das formas de intervenção mais imediatas, uma vez que visa a satisfação de uma necessidade básica comum a todos. Apesar do cenário pessimista que muitos analistas constatam, há cada vez mais pessoas interessadas em reduzir o consumo de carne. Iniciativas como as Segundas sem Carne ou o Veganuary são alguns dos exemplos de movimentos mundiais que foram criados para incentivar a redução de uma alimentação feita à base de alimentos de origem animal.
Num passado recente, a Universidade de Coimbra anunciou que iria eliminar a carne de vaca das suas cantinas a partir de 2020. As alternativas a este tipo de alimentação no mercado já são muitas, desde bebidas vegetais a hambúrgueres que não são de carne, mas que têm um sabor tão idêntico que enganariam qualquer carnívoro. Em Portugal, nas últimas semanas, a Iglo apresentou a gama Green Cuisine e a Nobre lançou a gama de produtos Nobre Vegalia, repletas de alternativas alimentares vegetarianas.
Outra das novas tendências do mundo vegano que tem vinho a ganhar fama é um hambúrguer feito à base de proteína de ervilha. Além de o seu sabor ser idêntico ao de um hambúrguer de carne, "estima-se que a Beyond Burguer use 99% menos água e consuma 93% menos terra do que os tradicionais hambúrgueres, sendo que o processo de produção emite 90% menos gases de efeito de estufa e requer 46% menos energia do que os bifes de carne", refere o site da Associação Vegetariana Portuguesa.
Texto: Vanessa Pina Santos
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