Neste âmbito, um dos fatores de risco para complicações no processo de luto e para a vivência de sintomas de depressão e ansiedade é, exatamente, a tomada de decisão de recorrer à eutanásia. 

Para estes tutores, o processo de luto começa quando o veterinário declara que “não existe outra opção” ou “é melhor que se vá preparando” – o designado “processo de luto antecipatório”. Este processo de luto antecipatório acontece antes da perda do animal perante o reconhecimento da iminência da morte do patudo. 

Durante o processo de luto antecipatório, a pessoa vai reconhecendo e sofrendo com as inúmeras perdas simbólicas que a rodeiam: a perda do animal como o conhecia até à data (degradação da saúde física, “a Mia já nem parece a mesma, olho para ela e quero chorar”), a perdas das rotinas (por exemplo, os passeios de higiene, as brincadeiras em família dentro de casa ou no jardim), a perda da sensação de procura do tutor pelo animal (por exemplo, pensar que “vou chegar a casa depois de um dia de trabalho e o Teddy nem se vai mexer, não vai saltar ou ladrar de felicidade”). 

Estas perdas constantes vão aumentando o sofrimento dos tutores e o medo da perda real (“saber que nunca mais vou ver o Tommy assusta-me. Sinto que cada dia perco um bocadinho dele, mas continuo a vê-lo, a tocar-lhe. Como vai ser depois?”). A isto soma-se, com frequência, a situação paliativa, que envolve, por exemplo, ter que administrar determinado fármaco ou ir diariamente ao veterinário.

O papel ativo para a morte do animal que os tutores atribuem a si próprios leva a pensamentos de autorresponsabilização (“Eu não presto, vou matar o meu melhor amigo”). Não raras vezes, a culpa é acompanhada por sentimentos de injustiça, impotência e zanga que, mais uma vez, alimentam o conflito emocional interno vivido pelas pessoas às quais é exigido tomar esta decisão tão difícil. 

Por um lado, o desejo de terminar com o sofrimento do animal, mas, por outro, o medo do próprio sofrimento, sentir que ainda não estamos preparados, que queremos mais tempo com o animal (e, por vezes, surgem até pensamentos automáticos como “sou um egoísta, ele está a sofrer e eu não sou capaz de avançar”).

A tendência a pensar que existe um “momento certo” para concretizar a eutanásia leva a pensar que também existe um “momento errado”, o que aumenta o medo do arrependimento e a ansiedade vivenciados, assim como o adiar do suposto “momento certo” (e será que este momento existe?).   

Mas então, o que podemos fazer num momento de tamanha impotência e sofrimento? Eis algumas sugestões: 

  1. Estabelecer uma data com o veterinário para a eutanásia, a qual permite “tornar real” a tomada de decisão e, por sua vez, dentro daquilo que é possível (tendo em conta o tempo até à data e a saúde física do animal), aproveitar ao máximo os últimos momentos (por exemplo, aproveitar para as últimas idas ao jardim e brincadeiras em casa – ainda que adaptadas à condição clínica do animal -, fazer uma viagem com o animal, tirar fotografias ao patudo e em família). 
  2. Recorrer à racionalização: pensar sobre a eutanásia como o último recurso e sobre as desvantagens de adiar a decisão (por exemplo, aumentar o sofrimento do animal e da família). Em termos emocionais é difícil aceitar que este é um ato de amor, coragem e altruísmo, mas, racionalmente e objetivamente, é, quando a opinião médica assim o confirma, a única opção válida.
  3. Planear, individualmente ou em família, o momento de despedida: quem vai estar presente? Quem é o primeiro e o último a dizer adeus? Pensar sobre o “último dia” ajuda a não ter medo de beijar e abraçar o animal, a pedir desculpa, a sentir que dissemos adeus. Para algumas pessoas, pode fazer sentido fotografar ou filmar os últimos momentos. 
  4. Pensar no futuro e no processo de luto, para uma maior sensação de paz e controlo. Tome-se como exemplo refletir sobre: que rituais do luto são importantes para a família e para cada um dos seus membros? Tome-se como exemplo construir um livro de memórias, plantar uma árvore no jardim predileto do animal, fazer uma doação de medicamentos (em caso de doenças crónicas do animal), libertar as cinzas num sítio especial – o que fizer sentido para a família e não coloque o seu bem-estar em risco. 
  5. Definir uma rotina de auto-cuidado (rotina do sono, alimentação saudável, pensar “o que sinto que preciso e mereço neste momento?”), para que haja uma maior disponibilidade emocional e cognitiva/capacidade de reflexão. 
  6. Identificar estratégias de regulação emocional (por exemplo, yoga, exercício físico) e técnicas de distração (por exemplo, ler, ver uma série, cozinhar). 
  7. No caso de crianças em casa, explicar o conceito de morte e questionar acerca do desejo de envolvimento nos rituais do luto. 

Todo este processo providencia uma maior preparação face à perda, dada a tendência a pensar de forma mais racional e a sentir que “eu vou fazer tudo como eu quero e o meu gato merece”, evitando futuros assuntos pendentes, arrependimentos. Ainda assim, pode ser importante pedir ajuda psicológica individualizada para facilitar a tomada de decisão e adaptar os passos mencionados anteriormente às suas próprias necessidades. 

Após a perda do companheiro de quatro patas, sabe-se que a intervenção psicológica precoce é benéfica, dada a complexidade deste processo de luto. Encontrar um lugar seguro e protetor, totalmente ausente de julgamentos e críticas, pode ser uma verdadeira lufada de ar fresco perante uma dor altamente estigmatizada e desvalorizada pela sociedade. 

Peça ajuda. Não se encontra sozinho(a). 

As explicações são de Sofia Gabriel e Mauro Paulino da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.